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Capítulo 19

    Capítulo 19: Desejo de um feiticeiro médico sem paciência

Ártemis era um homem cheio de desejos, se ele quisesse algo, ele teria. Ele iria lutar para conquistar e possuir, mesmo que tivesse que abusar de seu poder para isso. Sua racionalidade não era muita, isso era evidente. A ideia de possuir Atenas nasceu da concepção de: Apolo não aceitaria isso de forma alguma, isso chamaria a sua atenção para mim. 

Torturar Ravi era apenas mais um de seus desejos frenéticos. Embora não houvesse uma rixa entre eles dois, aquele eunuco parecia ser o pilar de Apolo e, então, Ártemis precisava abalar a estrutura do rei de Atenas para conseguir atenção. Sem contar que, o eunuco era bastante fofoqueiro e nunca havia gostado de Ártemis, mas no instante em que viu o viking selvagem, o tratou bem. 

Isso era favoritismo? 

Claramente era favoritismo! 

Leonhardt Sephalla realmente falava muito e fazia pouco. 

Ele não estava disposto, em nenhum momento, a matar Apolo realmente. 

A luta dos dois, embora agressiva… cada vez mais, se tornava uma disputa fraca. 

No salão festivo, Apolo percebeu que havia se exaltado com a morte de Ravi. Seu peito enchia-se com fúria, todavia, uma luta arriscada não era a resposta. Ele condenou a sua brutalidade selvagem e tentou ser racional por um momento. 

Isso era tudo culpa dele. 

Apolo estava lutando sem a sua habitual armadura, de seus ferimentos escorria sangue em abundância. A sua toga branca tornou-se vermelha. Ártemis não havia notado que os movimentos de Apolo estavam carregados de receio.  

"Apolito!" Ártemis gritou enquanto, tranquilamente, partia para cima de Apolo com a ponta afiada da espada sendo direcionada para o seu peito. "Eu estava brincando com você, eu não quero Atenas…" 

"Você queria a minha atenção." Apolo disse, e logo, os seus lábios se tornaram uma linha fina.

Ele era um médico, não apenas compreendia o corpo humano, mas também compreendia a mente. 

"Você me conhece tão bem!" Ártemis sorriu ao dizer aquilo com alegria, "A morte de Ravi…" 

Antes que ele pudesse explicar o seu motivo de ter matado Ravi, Apolo o interrompeu, dizendo rispidamente: "Você o matou, pois sabia que a morte dele seria um gatilho para mim. Você acredita que eu sou igual ao Leonhardt Sephalla, alguém que não consegue sentir nada, não tem emoções e não tem desejos. Quando o seu pilar morreu, isso desencadeou sentimentos em você. A morte de seu pai foi o seu gatilho para sentir desejo de vingança. Ao matar Ravi, você achou que isso pudesse me mudar. Mas Ártemis, não somos iguais." 

Apolo aproximou-se de Ártemis, e como um fantasma, conseguiu ficar de frente para ele, com coragem, ele disse languidamente: "Eu tenho desejos, sentimentos e emoções. Não somos iguais." 

Ao escutar aquele tom de voz lânguido, o coração de Ártemis bateu violentamente. Nesta hora, ele pensou: se não somos iguais… então, o que significou as minhas ações para ele? Ele havia matado Ravi atoa? Embora eu o odiasse… 

Os presentes no salão festivo assistiam a batalha com olhos atentos, embora os deputados e os paladinos não estivessem entendendo algo: os ataques de Apolo eram agressivos no começo, mas aos poucos foram se tornando fracos. O rei de Atenas, absolutamente, não era fraco. Ele poderia, pelo menos, cortar mais alguns membros de Ártemis, mas ele nem ao menos se esforçava em tentar. 

"Vossa majestade!" O Marechal Hermes gritou no calor no momento, "Acaba com ele!" 

Diante do grito de apoio, os paladinos e os deputados bravejaram: 

"Traga honra para os deuses." 

"Zeus está com você majestade!" 

"Eu aposto dois lingotes de ouro no rei!" Este paladino se animou demais. 

Os deputados e os paladinos gritaram bravamente diante a luta, porém, nem um único homem prostrou-se em lutar com Ártemis, ao ver que, infelizmente, Apolo estava perdendo. No Conselho dos Deuses, Pan Ku ainda apanhava. Ele deu uma breve olhada para a situação e, com força, deu um soco em Zeus. Apolito, invoque o arco, seu maldito idiota! O seu grito foi capaz de detonar o ambiente espiritual que os deuses se reuniam. 

Algo pareceu abalar a mente de Apolo no momento seguinte. Por causa disso, Ártemis conseguiu avançar. Thorfill não aguentou a pressão. 

"O seu combate corpo a corpo ainda é péssimo!" Thorfill gritou chamando a atenção de Apolo, "Não diga para ninguém que eu já fui o seu professor." 

Os olhos de Apolo encararam Thorfill com raiva e frieza. Ele ergueu o seu braço para cima e um arco apareceu em sua mão, no instante seguinte, ele virou-se como se estivesse dançando valsa, desviando-se do ataque da espada de Ártemis. Apolo posicionou o arco na frente de seu rosto e peito; era realmente uma arma grande e pesada. Sua mão agarrou a flecha dourada que apareceu no ar, a posicionando na corda tecida em ouro do arco. Ártemis ficou impressionado com aura poderosa de Apolo e travou em seu lugar. 

Se o dedo indicador de Apolo soltasse a corda do arco, então, a flecha iria estourar a cabeça de Ártemis. 

Thorfill prendeu a sua respiração e todos esperaram pelo momento em que Apolo iria disparar a flecha certeira. 

Porém, Apolo abaixou o seu arco e ele se desfez no ar. 

"Seu julgamento deverá ser de acordo com o seu crime." Apolo disse com dificuldade, era como se um bolo de laranja estivesse crescendo em sua garganta. 

Ninguém compreendeu as palavras de Apolo e, por isso, se exaltaram. Mas isso tudo, também, pelo desejo de quererem ver Ártemis morto. Thorfill não pôde compreender a atitude de Apolo, todavia, esperou e aguardou pela sua próxima ação ou palavras. 

E o que veio… foram palavras. 

Ártemis ficou em silêncio ao encarar Apolo. A sua mente estava um pouco confusa e ele perguntou ao franzir o cenho com confusão evidente: "Por que ainda não me matou? É por causa da Rainha Guilhermina? Ela não se importa tanto assim comigo. Se eu morrer, ela com certeza não irá fazer uma tempestade em um copo d'água por causa disso. Você sempre foi muito meticuloso e perfeccionista, mas realmente, você acha que ela acabaria com a aliança por causa de minha morte? Apolito…" 

"Eu tenho uma parcela de culpa nisso tudo!" Apolo o interrompeu, gritando com palavras frias: "Naquela época, quando eu fui para o Reino da Nortúmbria, eu conversei com a Rainha Guilhermina e propus uma aliança entre nós em troca de benefícios. Ela só aceitaria se eu pudesse ajudar você!" 

"Ajudar com o quê?" Ártemis riu levemente e depois encarou Apolo minuciosamente, "Com as minhas alucinações? O que há de errado em ver o seu pai morto? Além do mais, você me ajudou." 

"Não." Os cílios tremeram levemente sobre as pálpebras de Apolo quando ele desviou o seu olhar de Ártemis, "Eu não ajudei. Eu fiz um descaso com você e me aproveitei da situação para que a Rainha Guilhermina pudesse aceitar a aliança." 

"Sobre o que você está dizendo?" Ártemis franziu os seus lábios confusamente, "Você me ajudou, eu não vejo mais Shephalla por conta dos remédios que você me deu." 

Apolo ficou em silêncio por um tempo, e depois disse friamente: "Não eram remédios, eram apenas balas. Eu disse que era um remédio que iria ajudá-lo a parar de ver o seu pai, e a sua mente acreditou nisso. Houve algo parecido com uma somatização. Eu não o ajudei realmente, mas eu poderia. Através de acompanhamento e terapia, eu poderia ajudá-lo a ser uma pessoa normal, uma pessoa compreensível e mais racional." 

Ártemis o fitou profundamente. 

Seu semblante ficou sombrio. 

"Se naquela época eu tivesse te ajudado… talvez você não… talvez Ravi estivesse vivo." Apolo disse com a voz trêmula. 

Obviamente, se naquela época ele tivesse ajudado Leonhardt Sephalla, e ele poderia, muita coisa teria sido evitada. Mas acontece que, Apolo era novo demais e tinha muita ignorância, ele não queria ajudar Leonhardt Sephalla por achá-lo um caso perdido. Como um médico, ele acabou ignorando um pedido de ajuda e, no futuro, acabou pagando por seu erro. 

Em sua concepção o carma havia chegado, e Ravi havia partido. 

Claramente, Apolo não estava se culpando pelos crimes cometidos por Ártemis. Ele estava se culpando por negligenciar um paciente cheio de traumas e problemas mentais. Talvez, Leonhardt Shephalla não fosse obcecado em Apolo, mas sim, o buscava com frequência por achá-lo a sua 'âncora'. 

Ele era um barco perdido no mar, porém havia uma âncora que poderia prendê-lo. 

Por um longo tempo, Ártemis ficou em silêncio, parecendo não querer se enfrentar com Apolo mais. Por um momento, ele voltou a ser Leonhardt Sephalla, um garoto sem sentimentos e desejos, que não compreendia absolutamente nada e não tinha um resquício de emoção. 

Ele seguia Apolo apenas por um motivo. 

Leonhardt Sephalla era um anjo que deveria ajudar outras pessoas iguais a ele, mas Apolo não era um reflexo seu, não era um ser sem sentimentos, sem desejos e sem emoções. Então… o que ele deveria fazer agora?

Tudo voltou a ser confuso novamente. 

Por um momento, Ártemis ficou perdido.   

Apolo o encarou em profundo silêncio. Ele sabia que, a pessoa à sua frente nem ao menos compreendia as suas ações criminosas ou desejos pecadores, porém, isso não poderia ser usado como desculpa. Os seus desejos concluídos haviam afetado muitas, mais muitas pessoas mesmo, seja exterminar diversos padres ou matar um eunuco. 

"Ele matou o Ravi, apenas faça justiça rápido!" Um deputado, de repente com fúria gritou: "Mate-o!" 

Apolo questionou com um tom de voz frio e ríspido: "Que justiça faremos ao matá-lo? Essa condenação será a representação da justiça ou da vingança? Matá-lo não trará Ravi de volta, matá-lo não fará justiça e não trará conforto… bem, não para mim. A perversidade de Ártemis contra Ravi é injustificável. Um homem novo e bondoso, propício à prosperidade no futuro, futuro esse, destruído." 

"O que você fará com ele então?" Alguém perguntou com a voz rouca. Era um homem que, por sinal, estava em um estado caótico. Ele levantou-se do chão com dificuldades e, estranhamente, estava com o pescoço vermelho, supostamente, por conta de um tapa. 

Ele disse com agonia em sua voz de taquara rachada: "Vocês, helenos hipócritas, estão sempre chamando nós, os vikings, de selvagens. Mas… esse Ártemis é um demônio! Em sua hospedagem na Ilha de Reiwa, por esses quatro meses, cem vikings já morreram nas mãos dele!" 

"O que esse animal tem haver com nós?!" Um paladino perguntou indignado e, dizendo com autoridade, apontou para Torquiu. "Ártemis é um estrangeiro nojento igual a você e esse meteco ao seu lado!" 

O meteco ao lado de Ártemis estava em silêncio e, estreitando os seus olhos pretos ao observar o paladino, ficou impaciente. Era Thorfill e, ele que estava observando Apolo conversar com Ártemis, teve que desviar a sua atenção para dizer ao paladino: "Fique quieto." 

Em sua voz grossa, aquele tom ficou bastante arrogante, mas Thorfill realmente estava querendo prestar atenção em Apolo e aquele paladino estava atrapalhando! 

O paladino engoliu em seco e deu alguns passos para trás. Torquiu ao perceber isso deu algumas gargalhadas, dizendo: "Agora você está com medo de um meteco? Meu irmão botou pressão em você? Tome cuidado, se não… eu irei pedir para ele te atacar!" 

"Por que você está me tratando como um cachorro?" O semblante de Thorfill demonstrou descontentamento ao escutar as palavras soberbas de Torquiu. 

"Que outro animal você seria se não um cachorro?" Torquiu franziu os lábios, querendo rir. 

Thorfill ignorou ele e concentrou-se na situação à sua frente. Ele analisou um pouco Ártemis e, com um pouco de atenção, percebeu que o semblante daquele homem parecia extremamente raivoso. Não se poderia saber quando essa raiva explodiria ou sobre quem explodiria. Definitivamente, Thorfill não compreendia a situação e as palavras de Apolo, pois, não se sabia pelo o que Apolo e Ártemis tiveram ou passaram. 

Uma relação de médico e paciente? 

Amizade? 

Inimizade? 

Romance? 

Por que ele não queria matar Ártemis? 

Um médico era incapaz de matar um de seus pacientes? 

Não encontrando as respostas para as suas perguntas importantes, Thorfill resolveu aguardar pelos resultados. Mas, definitivamente, Apolo não poderia morrer. 

No salão festivo todos estavam apreensivos. 

Alguns deputados apoiavam Apolo, embora, por dentro estivessem desejando um combate agressivo e deslumbrante; como os deuses. Ártemis era absurdamente forte, todos sabiam disso, nem mesmo vários espartanos haviam conseguido vencê-lo. Apolo era forte, todavia, a sua experiência era ser um caçador à espreita, observando a sua caça enquanto arrumava o seu arco e organizava as várias flechas em sua aljava.

"Que enrolação dos infernos!" Alguém gritou de repente. Uma voz feminina gritou com frustração e chamou a atenção de todos. Demerí estava apoiada em uma coluna de gesso próxima e cruzou os braços, dizendo: "Por que não mata logo ele? Preciso analisar o combate e as frases de vocês dois." 

"Para quê?" Um deputado virou-se para ela. 

"Eu não sou boa com diálogos em luta." Demerí deu de ombros, "Quero escutar o que os dois irão falar enquanto lutam, depois armazenarei as suas palavras em minha mente e colocarei em meu livro!" 

O deputado virou-se lentamente, tentando escapar dos olhos de águia de Demerí. Com medo, ele engoliu em seco e pensou: que mulher maluca. 

Apolo distraiu-se com a chegada de Demerí e, não querendo, virou-se na direção dela e respondeu a pergunta, antes feita por ela. Ele disse: "Eu não irei matá-lo." 

"Ah, não? Vai fazer o que então? Trancafiá-lo em algum lugar esquecido por Zeus para que ele se arrependa de ter matado Ravi?" Demerí ajeitou a sua postura desleixada e andou lentamente pelo salão festivo, "Você já foi mais cruel… Apolo!" 

Ela falava tranquilamente, até notar um movimento de Ártemis que, até uns momento atrás, estava em silêncio e resolveu agir com o distraimento de Apolo. Ele correu como o flash de raio em uma chuva de outono, ergueu a sua espada na frente de seu peito e lançou-se na direção de Apolo com um olhar feroz dominando a vasta verdidão de suas íris. Obviamente, Demerí não alcançaria o seu primo a tempo para salvá-lo do ataque de Ártemis. 

Inesperadamente, alguém entrou no caminho de Ártemis sem pensar duas vezes! 

Thorfill defendeu-se com as suas mãos, sem uma arma foi complicado e doloroso. Ele agarrou o cabo da espada de Ártemis e puxou para a sua direção, logo em seguida, com uma velocidade surpreendente, ele pegou a espada para si e apontou a ponta afiada dela para o pescoço de Ártemis. Tudo aconteceu muito rápido, os olhos dos deputados e companhia nem ao menos conseguiriam captar os movimentos rápidos de Thorfill. Ele encarou Ártemis e, como esperado por parte de Apolo, baixou a lâmina. 

"Você me enganou." Ártemis disse friamente ao olhar Apolo que, não estava abalado com a situação, ele estava atrás das costas de Thorfill e apenas ficou em silêncio, encarando Ártemis. "Não somos iguais! Não somos irmãos gêmeos." 

"Nunca fomos." Apolo disse em um tom de voz neutro e, lentamente, saiu de trás de Thorfill, ficando ao seu lado e dizendo para Ártemis: "Você matou um homem inocente, por motivos fúteis e o torturou cruelmente. Você nem ao menos tem a capacidade de conseguir imaginar o peso de suas ações, não porque não quer, mas porque não consegue e um dia, dificilmente, você conseguirá compreender." 

"O que isso importa?!" Ártemis gritou, "Não consigo, realmente não consigo! O quê há de errado em matar? Como tirar a vida de pessoas insignificantes poderia ser um peso? Para quem? Não há peso sobre os meus ombros! Eu apenas o matei para que você pudesse sentir algo, como eu senti quando Shephalla morreu. Mas você, definitivamente, não é igual a mim! Então, qual foi o sentido de toda essa merda?"

Simplesmente, Apolo respondeu: "Não há." 

Ártemis franziu as sobrancelhas e o seu semblante, por um mísero segundo, demonstrou desespero. Como poderia todas as suas ações não terem sentido? Suas ações davam resultados, então, claramente as palavras de Apolo eram falsas e aquele rei cruel estava, mais uma vez, o enganando. 

“Tem sentido para mim.” Ártemis disse friamente. 

O semblante de Apolo fechou-se com compreensão. 

Ártemis simplesmente não compreendia nada, até mesmo uma criança conseguiria dizer que bater em uma outra criança era errado, ou que roubar causaria uma punição, como uma chicotada ou exílio. Porém, a mente de Ártemis era diferente. O filtro de seu cérebro, talvez, não estivesse conseguindo raciocinar como uma pessoa de mente estável e normal.   

“Não há redenção para os seus atos repugnantes!" Demerí aproximou-se de Ártemis, sem temê-lo ou fraquejar diante de um assassino frio. “O rigor com que você cometeu o erro, matando Ravi, você tem que ser punido com rigor de que se fez o crime.”

Ela disse as suas palavras em um tom frio, indicando desprezo pelo ato cruel de Ártemis. Demerí, logo em seguida, fitou Apolo, dizendo: “Sob solo ateniense, a lei deve ser aplicada com punição ateniense. Escolha, morte digna ou humilhação."

“Não irei escolher nenhuma.” Apolo compreendeu as palavras de Demerí. Seu semblante não expressou reação alguma diante das palavras dela e os seus lábios ficaram em uma linha fina de insatisfação. Diante de Ártemis, ele disse friamente: "Você tem duas escolhas. A primeira é humilhação: ao fazer um crime, você será tratado pior que um escravo, será digno de pena e não será capaz de permanecer ao lado dos deuses. Porém…”

“Não tem nenhum porém.” Demerí interrompeu. 

Apolo disse: “Agora tem.”

Ártemis escutava tudo em silêncio. Seu semblante estava sereno, tão sereno e isso era assustador! O assunto era sobre o seu futuro, todavia, ele parecia não se importar. Apolo ignorou aquela reação e continuou: “Porém, logo depois, você será levado para uma casa de repouso dos ex-soldados espartanos. Você nunca poderá sair de lá, e eu irei o supervisionar. Dessa vez, serei um médico melhor.”

“Apolo!” Demerí gritou, querendo intervir. 

Thorfill, como sempre nos assuntos de Apolo, ficou em silêncio. Os seus olhos vagaram pelo semblante de Apolo; um rosto inexpressivo, como sempre, porém tão belo quanto o começo do outono. Por um instante, aqueles olhos azuis tumbolentos o fitou com frieza, fazendo assim, Thorfill desviar o seu olhar. Ele engoliu em seco e concentrou-se no assunto. 

 “O que seria a morte digna?” Com um sorriso de escárnio, Ártemis perguntou com um tom de voz grave. 

Seu sorriso permaneceu dominando os seus lábios até mesmo depois de suas palavras terem sido finalizadas com sarcasmo. Apolo parecia não estar esperando por aquela pergunta. Seus lábios ficaram entreabertos e a ponta de seu nariz curvado se franziu. Depois de alguns segundos, ele respondeu baixo: “O jeito digno de morrer… é bebendo cicuta em público.”

“Eu gostei.” Ártemis disse ao abrir os braços, “Eu escolho o jeito digno de morrer.”

“Por quê?" Apolo franziu o cenho ao perguntar.

"Eu não sou burro, eu conheço a sua força." Ártemis sorriu tranquilamente, "O que você fará comigo sob sua supervisão? Me tratar? Me tornar uma pessoa repugnantemente normal? Eu passo, e não só isso, eu escolho a morte diante disso. Meus crimes injustificáveis continuarão injustificáveis após a minha morte. Apolo, eu venci você."

"Não havia uma rixa entre nós." Apolo disse tranquilamente. Seu olhar cheio de soberba ao olhar Ártemis com o cenho franzido. 

Ártemis não respondeu, ele apenas sorriu e disse suavemente: “A transgressão do perverso, diz aqui dentro do meu coração, que não há temor de Deus diante de meus olhos.” 

Em outras palavras, ele compreendia que iria para o inferno e, mesmo assim, de forma alguma, não estava temendo o seu julgamento diante Deus. Ao morrer, um europeu iria se encontrar com Heilel Ben Shachar.

Eu não perdi. 

Apolo suspirou pesadamente, como se estivesse exausto após lutar em um coliseu romano. Ele deu uma última olhada em Ártemis, como se ele fosse um caso perdido; E ele de fato era. O sorriso orgulhoso de Ártemis ainda dominava os seus lábios. Ele disse ao encarar Thorfill: “Em uma próxima vida, irei vencê-lo."  

Essas palavras puderam comprovar que Thorfinn era mais forte que ele.

Thorfill , em silêncio, apenas afirmou com a cabeça.
Os deputados deram vários suspiros cheios de alívio ao verem os paladinos, finalmente, prendendo Ártemis após Apolo fazer um simples aceno com a mão. Ele parecia um pouco desconfortável com a situação, e negou-se a acompanhar o Marechal Hermes até uma ágora próxima, para que o suicídio digno pudesse se aplicado com dez folha de cicuta. 

“Finalmente este monstro foi levado!” Um deputado robusto falou. 

Outro cuspiu, “Um demônio perverso."

Demerí estava incomodada com tanto cochicho e abanou os braços como uma avestruz abanando os seus braços peludos e grandes. Ela disse: "Vocês, corruptos, deveriam sair logo. Estão livres deste cárcere, agora que o assassino foi pego… espera, Apolito, quase me esqueci de um pequeno detalhe.”

Apolo a encarou sem muita emoção, ele não perguntou por nada e virou-se para Thorfinn. 

Thorfill o encarou nervosamente, compreendendo os pensamentos de Apolo. “Torquiu ajudou sim no crime, e eu não passarei pano para ele.”

Ao escutar isso, Torquiu começou a correr como o diabo corre da cruz. Ele driblou vários deputados pelo caminho, tentando chegar até a porta do salão festivo para poder escapar da mira do rei de Atenas. Contudo, Demerí estava escorada na parede. Ela colocou o seu pé no caminho de Torquiu e ele capotou para o chão gritando desesperadamente. 

“Eu não fiz nada, não fiz nada!” Ele chorou, “Justiça para mim!”

Demerí revirou os seus olhos ao ver aquele teatro e encarou Apolo, buscando por respostas ou um simples sinal de: você pode matá-lo. Contudo, Apolo apenas ficou em silêncio e ignorou todos ao seu redor. Como ele havia dito antes, ‘Matá-lo não trará Ravi de volta, matá-lo não fará justiça e não trará conforto… bem, não para mim', e realmente não trouxe. Qualquer coisa que acontecesse com Ártemis não mudaria nada. 

A sensação de tristeza ainda permanecia em seu peito. 

"Faça o que achar melhor." Apolo disse ao encarar Demerí friamente. 

No momento seguinte, ele andou lentamente até a porta e saiu do salão festivo. Sua presença mal humorada deixou o ambiente grotesco, e os deputados ficaram aliviados. Eles, juntos com os seus servos pessoais, saíram sorrateiramente do palácio jurando que nunca mais pisariam ali. Em hipótese alguma!
 
Demerí sorriu ao se aproximar de Torquiu e disse: "Pena de morte." 

"Não!" Torquiu soltou um grito estridente, "Olhe os fatos, minha contribuição no crime foi pequena e, além de tudo, foi obrigatória! Thorfill, me ajude!" 

Thorfill estava em seu canto, não querendo ser notado por Torquiu. Ele disse distraidamente: "A mulher ateniense irá declarar a sua punição, e eu não posso interferir nisso." 

Na verdade, ele já havia percebido que Demerí estava brincando com Torquiu. 

"Tenho uma punição melhor para você…" Demerí disse ao dar um sorriso cheio de intenções ocultas. Ela agarrou Torquiu pelo colarinho e o arrastou para fora do salão festivo. 

O palácio foi preenchido pelos gritos de Torquiu, porém, Demerí foi preenchido com alegria após ter adquirido uma cobaia para ler e revisar os seus livros com duzentas mil palavras de graça. 

Por um momento, Thorfill se colocou no lugar de Apolo. Ele sendo um médico que deveria matar o seu paciente por vingança ou justiça. No final do teste, ele não encontrou a resposta para as atitudes de Apolo e resolveu desistir de tentar se colocar no lugar dele. Thorfill saiu do salão festivo em passos lentos. Continuamente, pensando ainda na situação anterior. O palácio, como sempre, estava sob um silêncio absoluto. Thorfill retornou para a câmara onde estava hospedado. 

No meio do caminho, estranhamente, um som angelical emergiu. 

Não era uma cantoria clássica ou algo do tipo, era um som triste, embora suave e relaxante de algum instrumento musical de corda. Thorfill passou a noite escutando o som melancólico e suave em sua câmera de descanso e, mesmo assim, conseguiu dormir tranquilamente ao som daquela provável lira dourada. 

Os dias se passaram calmamente, contudo, a presença de Apolo ficou oculta por um tempo. Thorfill precisou procurar por ele e, inesperadamente, descobriu que Apolo estava recluso em seu quarto, enquanto Demerí escrevia cartas para os deputados e fingia ser Apolo, resolvendo os assuntos relacionados aos jogos olímpicos de Atenas. Necessariamente, haviam se passado seis dias. Apolo nem mesmo apareceu para os exames de rotina de Tilf e ela ficou histérica e deprimida com isso. 

Thorfill cogitou a ideia de levar Tilf embora, já que Apolo, provavelmente, estava lidando com muitas coisas e, talvez, partindo com Tilf e Bellamy, um peso seria arrancado dos ombros de Apolo. Com isso em mente, ele foi para a câmara de descanso de Tilf e contou a sua ideia e o motivo que o levou a isso. 

"Que confusão toda." Tilf disse sem muita emoção, "Aconteceu tudo isso enquanto eu dormia? Não escutei nenhuma luta ou sabia que tinha um assassino e um assassinado dentro deste palácio… bom, perder alguém próximo não deve estar sendo fácil para o General Guts, deveríamos deixá-lo descansar. Mas antes de partir, avise para ele. Você tem mania de simplesmente sair e isso não seria legal." 

Bellamy, ao lado, ficou em silêncio. Sabendo que não seria mais o discípulo de Apolo, ele ficou bem quietinho para que ninguém notasse as lágrimas brotando em seus olhos castanhos-esverdeados. Mesmo sendo bastante novo, Bellamy compreendeu o afastamento de seu mestre e aceitou ir embora. Ele fungou, dizendo: "Sim, sim, avise! Não podemos sair assim, às pressas." 

Thorfill coçou o seu pescoço e murmurou baixo, com rancor: "Eu iria avisar…" 

Quem disse que ele simplesmente iria sair, assim, sorrateiramente? Ninguém disse! Onde estava a mania dele sair sem avisar? Thorfill não estava lembrado de ter feito algo assim para manchar a sua reputação. 

"Pspsps." Um chamado de gato chamou a atenção de todos. 

Thorfill virou-se em direção a janela da câmera de descanso de Tilf e encontrou uma cabeça ali. A cabeleira laranja chamou a atenção dele e aquela pessoa só poderia ser Feup. O palácio de Apolo tinha uma estrutura alta, Thorfill não saberia dizer como Feup escalou até a janela de Tilf. 

Feup disse escorado no peitoril da janela: "Por quantos dias você ficará aqui? Os vikings conseguiram encontrar um mapa que indica várias terras ricas. Queremos invadir uma escola cheia de duques no Reino da Nortúmbria. Estamos esperando você para isso!"

Desinteressados pelo assunto, Tilf e Bellamy ignoraram os dois. Obviamente, Thorfill se segurou para não pular pela janela e ir navegar rapidamente. Porém, ele controlou o seu desejo e disse: "Preciso de mais um tempo." 

"Para quê?" Feup ergueu as sobrancelhas ralas e alaranjadas, com curiosidade no semblante jovial. "Thorfill, você está estranho. Nunca gostou de ficar em terra, sempre dizendo que pertenceu ao mar. Como você está conseguindo ficar tanto tempo aqui em Atenas? Aquele general fez algum feitiço para você? Deus me Freya, isso é assustador!" 

Feup tremeu das pontas do pé até os fios de cabelos por ter medo de feitiçaria. Ao lado, Tilf deu uma breve risadinha e Bellamy disse confusamente: "Deus me Freya?" 

Thorfill agitou as suas mãos, ao querer chamar a atenção de Feup para ele. Querendo mudar de assunto rapidamente, Thorfill perguntou estranhamente: "Feup, quando Aske ficava triste e isolado… o que você fazia?" 

Tilf ao lado riu novamente, dessa vez não houve uma risadinha educada, ela gargalhou altamente. Tilf simplesmente balbuciou acariciando a sua barriga: "Ai, ai, ai." 

Thorfill ficou nervoso com isso, embora tenha ignorado os seus pensamentos. Feup estranhou a pergunta, porém respondeu: "Aske sempre fica isolado. A tática infalível que eu uso para me aproximar dele é: busque por coisas que ele goste; eu sempre busquei bugigangas velhas, por exemplo. Segunda tática infalível: o leve para algum lugar que ele goste. Eu sempre o levei… arrastei para a residência de Villan, lugar onde há muita comida." 

Thorfill franziu seus lábios, "Como ele não te matou ainda?" 

Os dois se encararam por um tempo, e Feup se sentiu indignado. Como ele poderia estar morto? O que Thorfill queria dizer com aquilo? As táticas de sobrevivência dele contra Aske eram consideradas as melhores para um relacionamento funcionar perfeitamente. Embora, Aske tenha ido embora… e não houvesse mais relacionamento. 

"Olha aqui." Feup apontou o dedo indicador, ainda indignado. "Vá logo para o navio primordial, se não, eu mesmo irei me rebelar contra você e irei partir com o seu próprio barco, com o seus próprios pertences, e com a sua própria mãe." 

"É um navio…" Thorfill corrigiu, "E o que tem a minha mãe?" 

"Foda-se!" Feup gritou com irritação em seu tom de voz. Obviamente, suas ameaças eram vazias. "Você tem sete dias." 

"É o suficiente, embora eu não deva obedecer você." Thorfill riu. 

Feup não respondeu, ele se atirou pela janela e com maestria saiu do palácio, voando como um pombo ao retornar para o Navio Primordial. Thorfill filtrou as palavras dele e virou-se para encarar Tilf, ele disse à ela: "Ficaremos mais alguns dias." 

Bellamy deu um salto, "Deus me Freya!" 

Tilf aproveitou que o pequeno girino loiro estava ao seu lado e, carinhosamente, puxou as orelhas dele, advertindo: "Pare de misturar os nossos deuses com o Deus dos europeus. Feup é burro e pode fazer isso, mas você não." No instante seguinte, ela encarou Thorfill, dizendo: "Estão avise para ele que ficaremos apenas por mais sete dias. Além de você ficar saindo sem avisar, você também fica sem avisar! Ele é muito educado com você, eu em seu lugar, teria te chutado para fora de Atenas!" 

"Valha-me Odin…" Thorfill sentiu a cabeça latejar. 

Ainda filtrando as táticas infalíveis de Feup em sua mente pequena e de memória fraca, ele saiu da câmara de descanso de Tilf. Thorfill caminhou lentamente pelo corredor silencioso, mas ao virar, acabou escutando novamente um som de lira. Alguns serventes no corredor pararam para escutar o som e balbiciaram:

"Vossa alteza toca tão bem…" Um mulher disse com os olhos brilhantes, com a mão sobre o peito, dizendo: "Lembro-me que, quando ele partiu para Esparta, foi a última vez que ele tocou…" 

"A lira Xiao Caoya tem um toque tão suave…" Outra mulher disse, admirando a melodia. "Outrora pertenceu à concubina preferida do César Oitavo. Guths era tão bonita, tão encantadora… foi uma tragédia ela ter morrido no parto de Vossa alteza." 

"Desde aquele dia, o César Oitavo ficou tão estranho." Alguém suspirou pesadamente, "Negando Vossa majestade, e consequentemente, Ravi o criou. A morte dele também foi uma tragédia. As pessoas ao redor de Vossa alteza estão sempre partindo…" 

"Como uma maldição!" Um servente menor disse. Seu rosto carregado de traços infantis e fofos. 

Outros serventes concordaram e, embora o assunto fosse melancólico, Thorfill prestou atenção por um tempo. Ao notar que isso era um pouco rude, ele prostrou-se em ir, mais uma vez, para a cozinha do palácio de Apolo. 




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