Capítulo 15: Um bêbado falante
Thorfill não saberia dizer o que mais o impressionou, se era o fato do Ravi estar morto ou o fato de ter sido acusado de ser o autor de um crime.
Ele claramente não havia matado Ravi, mas as pessoas no salão festivo pareciam não concordarem com isso. Elas se aproximaram de Thorfill em passos lentos e os seus semblantes estavam indicando raiva e frieza. Seja ele o autor do assassinato ou não, ele iria ser atacado por aquele 'deputados justiceiros' apenas por ser um estrangeiro e além de tudo, um viking selvagem criado por Odin.
Thorfill não tentou se defender com palavras, isso era inútil. Ele agarrou uma machadinha que sempre ficava amarrada em seu cinto de couro, mas antes que ele pudesse empunha-la completamente, aquela pessoa que estava ajoelhada ao lado do corpo de Ravi se levantou e todos pararam seus movimentos.
Esperadamente, era Apolo.
"Ele matou o amo serviçal de vossa majestade!" Um deputado gritou, até mesmo cuspindo pelos ares.
"Ravi era como um pai para o nosso rei. Como você ousou matá-lo?"
As pessoas se aproximaram de Thorfill enquanto gritavam acusações sem fundamentos e ele não recuou. Mesmo que aquelas pessoas fossem o povo de Apolo, ele não gostava deles e corajosamente não recuou por consideração a ele. Ele tinha uma besta selvagem dentro de si, e diante de acusações, ela despertou.
"Ele não matou ninguém." Alguém disse de repente em um tom calmo.
Todos se viraram para Apolo.
"Não foi ele?" Demerí questionou estando ao lado de Apolo.
Os cantos dos olhos de Apolo estavam vermelhos ao encarar Thorfill profundamente. Ele disse friamente: "Thorfill não matou o Ravi."
O ambiente barulhento ao redor de Thorfill pareceu desaparecer, assim como o som de gritos e acusações. Em sua frente existia apenas Apolo; sua postura era semelhante a de uma muralha que não poderia ser derrubada por exatamente nada, porém os seus olhos vacilaram na proteção da muralha impenetrável; eles indicavam tristeza. Thorfill tentou caminhar até ele inconscientemente, porém os deputados entraram em sua frente.
"Vossa majestade, não se engane!" Um deputado pediu, "Esse monstro não é o seu amigo. Ele saiu bem quando o corpo de Ravi apareceu!"
"Ele deve ter saído para matá-lo e depois trouxe o corpo."
"Com certeza foi isso!"
Os deputados chegaram a uma conclusão: O viking selvagem havia matado Ravi!
"Thorfill." Apolo a distância o chamou. Thorfill estava o encarando o tempo todo e Apolo disse rispidamente: "Quem der uma passo a mais em sua direção… mate."
"Vossa majestade…?"
Os deputados se surpreenderam com isso e gaguejaram por um tempo. Eles rapidamente repararam em Thorfill; um homem alto de braços fortes. Eles o temeram e recuaram.
"Se não foi ele, então quem foi que matou o Ravi?" Demerí perguntou se agachando para vasculhar o corpo de Ravi, "Pescoço quebrado, dezenas de cortes, unhas arrancadas, oh… que merda é essa?!"
Demerí não temia nada e não tinha nojo de nada. Ela até mesmo abriu a boca do cadáver. Ela disse: "A língua dele foi arrancada! O corpo dele também está quente… parece que não faz nem meio hora que ele morreu e o cadáver dele acabou de aparecer. Isso significa…"
"Que o assassino ainda está por aqui." Apolo completou.
Os deputados se assustaram com isso e recuaram desesperadamente. Eles se aglomeraram em volta da porta e tentaram abri-la.
Apolo gritou rapidamente: "Tranquem todas as portas do palácio e não deixe ninguém sair!"
Os deputados ficaram horrorizados. Apolo era doido o suficiente para prendê-los com um assassino?!
Qual era a maldita lógica?
"Não irei ficar mais nenhum segundo aqui!" Um deputado gritou corajosamente e se afastou.
Aquele deputado tinha uma vida próspera e não iria perdê-la por conta da burrice de seu rei.
Ele virou-se, caminhando rapidamente em direção a uma outra porta, porém, de repente, ele cambaleou. Algo havia atravessado o seu peito. Um flecha com a ponta feita de pedra rasgou a sua carne e sangue esguichou!
Tudo tinha acontecido muito rápido e as pessoas entraram em choque.
"Quem mais irá fugir?!" Apolo gritou.
Ele abaixou o seu arco, revelando o seu semblante frio. Mais um vez, partículas de poeira dourada explodiram no ar e aquele belíssimo arco poderoso sumiu. Os seus olhos de felino percorreram por todas as pessoas presentes no salão festivo; como se estivessem analisando quem poderia ser o assassino. Os deputados tremeram na base e ficaram petrificados em seus lugares por causa do medo que lhes tomaram.
Apolo era um herdeiro antes.
Ele era alvo de muito boatos ruins.
Apolo seria uma majestade manipulada pelos deputados.
Eles obviamente não pensaram que Apolo iria matar um deputado a sangue frio!
"Ele foi torturado." Demerí disse depois de analisar profundamente o cadáver de Ravi, "Os cortes do tórax foram feitos com lâminas finas, provavelmente, uma adaga do Mundo Novo. Suas unhas foram completamente removidas, um alicate de ponta grossa iria conseguir fazer este trabalho. Sua língua parece ter sido cortada lentamente por uma faca, por conta de um corte que se abriu profundamente ao lado da gengiva; como se a ponta da faca tivesse cutucado muito ali. Um jeito bastante sádico, como se o assassino quisesse dar uma lição para Ravi. Sua intenção não era matá-lo, mas ele veio a óbito e agora o assassino quer brincar."
"Que tipo de brincadeira?" Apolo perguntou aproximando-se.
"Caçar." Demerí sorriu levemente, "Vossa majestade, pegue o seu arco e flechas afiadas."
Apolo se recompôs após respirar profundamente.
"São machucados muito profundos, o assassino deve ter mãos pesadas e grandes." Demerí disse e os deputados começaram a encarar as suas mãos. Demerí gargalhou com isso, "Por que tanta preocupação? Oh, cabelo?"
Ela virou-se para o cadáver novamente. Ravi estava roxo e frio, havia vários fios de cabelos em sua mãos cerradas, que se enrijeceu nesta forma, mas era possível ver a ponta de vários fios de cabelos loiros; como se ele tivesse se debatido na hora de sua morte e agarrado a cabeça de seu assassino na hora do desespero.
"Uma pista!" Demerí se alegrou e se abaixou até a mão de Ravi, "Hum…?"
Apolo franziu o cenho ao ver que Demerí estava cheirando os fios de cabelos…
"Amêndoas e mel." Demerí sussurrou.
"O quê?" Apolo perguntou.
"Os fios têm cheiro de amêndoas e mel." Demerí se recompôs rapidamente, "A sua mistura para lavar os cabelos tem esse cheiro! Você é o assassino?"
Apolo ficou em silêncio, se negando a responder aquele pergunta idiota. Mas no final ele disse: "Meu cabelo não é loiro."
Demerí rapidamente se lembrou deste fato e os seus olhos se atraíram para Thorfill. Ela cerrou o seu olhar e sussurrou para Apolo: "Tem certeza que não foi ele?"
"Tenho." Apolo disse com confiança e Demerí deixou o assunto de lado.
Os deputados estavam apreensivos e desesperados. Thorfill analisou eles por um tempo e teve certeza ao tirar a conclusão de que nenhum deles era o assassino de Ravi.
Ele se aproximou do cadáver e deu uma breve olhada. Os relances de seus olhos puderam captar diversos cortes diferentes, por causa do motivo de várias lâminas diferentes terem sido usadas na tortura. Porém, havia também cortes que pareciam terem sido feitos na mesma hora. Como se o assassino tivesse usado as suas duas mãos ao mesmo tempo. Thorfill conseguiu rapidamente tirar uma conclusão sobre aquilo.
Havia sido um trabalho de duas pessoas.
Passos apressados ecoaram pelo salão silencioso e vários homens usando armaduras de bronze apareceram.
O Marechal Hermes estava liderando vários paladinos atrás de si e Apolo virou-se para ele, dizendo friamente: "Arrume doze câmaras. Coloque todos os deputados separados em cada cômodo. Eu irei investigar cada pessoa. Tranque cada porta e cada janela. Cada lugar que uma pessoa grande ou pequena consiga fugir. Não dispense nenhum servente."
O Marechal Hermes concordou rapidamente e perguntou: "O que faremos com o corpo?"
"Queime." Apolo disse sem demonstrar qualquer tipo de reação.
O Marechal Hermes franziu as suas sobrancelhas, "Sem a cerimônia de limpeza para entrar no reino inferior e ganhar a reencarnação? Hades preza pela limpeza do corpo e do espírito. Caso contrário, o espírito dele nem ao menos será capaz de entrar no reino inferior. Zeus não ficará…"
Apolo repetiu suas palavras novamente, só que dessa vez mais rispidamente: "Queime!"
O Marechal Hermes engoliu em seco e fez um sinal para os paladinos irem acompanhar os deputados até os seus respectivos quartos, enquanto ele pegou o cadáver de Ravi e o levou para fora do salão festivo. Apolo e Demerí se encararam em silêncio e os dois caminharam na direção do Marechal Hermes. Porém, Apolo lembrou-se de algo e voltou para trás. Thorfill ainda estava parado, tentando processar tudo o que estava acontecendo.
"Volte para o seu quarto." Apolo disse friamente ao ficar de frente para Thorfill, "Não saia até eu dizer que você pode sair."
Thorfill não gostou muito desta ordem e demonstrou isso em seu semblante. Ele encarou profundamente Apolo e não poupou nenhum desvio de olhar ao fintar os olhos tempestuosos e brilhantes dele.
Ele disse seriamente: "Eu posso ajudá-lo a encontrar o assassino."
"Isso não é um assunto seu!" Apolo reagiu furiosamente, ficando sem paciência com Thorfill. "Cada respiração que você der aqui, eles vão usar isso contra você. Porque eles são uns merda ignorantes, buscando por qualquer pessoa burra que possa prejudicar. Então, vá para o seu quarto e fique por lá até eu ir te encontrar!"
Obviamente, os deputados queriam prejudicar Thorfill; isso era bastante evidente. Com isso, ele suspirou pesadamente e perguntou à Apolo: "Quanto tempo você vai demorar?"
Apolo franziu o cenho com isso, demonstrando um pouco de confusão com aquela pergunta. Porém, ele respondeu: "Não irei demorar muito."
"Então, se cuida." Thorfill disse baixo e virou-se.
Os dois se separaram ali e seguiram caminhos diferentes.
O conceito de morte para um viking era muito simples: A morte significava encontrar prosperidade. Os vikings mortos em batalha seriam recebidos por um grande banquete e por belas valquírias. Os mortos iriam poder lutar com Odin e Thor, e no final de tudo, iriam ter banquetes sem fim, vinhos em abundância, mulheres, riquezas, e tudo que desejassem. Muitas vezes, o viking aguardava ansiosamente por sua morte.
Não era algo considerado triste ou doloroso.
Os parentes do morto não ficariam depressivos e queimariam o corpo do viking em seu barco favorito, lançado ao mar.
Porém, isso na cultura de Thorfill e nem todas as pessoas nórticas teriam a mesma reação.
Thorfill não conseguia muito Ravi, diferente de Apolo.
Apolo era frio e nunca demonstrava a sua verdadeira face ou sentimentos. Ele iria fingir que a morte de Ravi não havia significado nada para ele, porém… Thorfill por algum motivo sentiu que esse não era o caso.
Talvez ele demonstrasse, mas do seu jeito.
Thorfill voltou para a câmara antiga de Apolo e permaneceu sentado no peitoril da janela aberta. O palácio ficava em um pico alto e ventava muito. Era possível ver a cidade e a floresta dali. Thorfill estava sem sono e ficou por um bom tempo encarando o céu escuro e estrelado. Sua mente não conseguia descansar nem por um momento e ele pensava muito.
Quem havia matado Ravi?
Por qual motivo?
Apolo estava bem?
Eram perguntas que ainda não tinham resposta, mas logo teria. Thorfill sabia disso, mas mesmo assim não conseguiu esconder a sua ansiedade.
Por quê?
Por que parecia que coisas relacionadas a Apolo sempre o deixava ansioso e preocupado?
Era estranho.
Não era estranho.
Thorfill focava nestas duas opções.
Talvez ele tivesse a resposta, porém se negava a se deixar transparecer.
Ele suspirou pesadamente. Seus olhos fitavam o céu ao pensar ainda mais. O céu estava escuro como um lago de lótus negro. As estrelas traziam uma sensação de que havia uma esperança no final do túnel. As nuvens acinzentadas eram arrastadas pelo vento frio e elas acabaram ocultando a lua que banhava o mundo. Thorfill notou que alguns raios às vezes iluminavam o céu e ele se preparou rapidamente para sair de sua câmara.
Havia alguém que tinha medo de raios e isso fez um sorriso suave aparecer em seus lábios.
No instante em que ele colocou um pé no chão, a porta da câmara se abriu lentamente.
Thorfill rapidamente sentou-se no peitoril da janela novamente. Ele esticou as suas pernas longas e fingiu que estava tranquilo.
"Que surpresa." Apolo disse entrando na câmara, "Não imaginei que você realmente me esperaria."
"Esperei." Thorfill mudou de assunto ao perguntar: "Encontrou o assassino?"
"Não." Apolo respondeu, "O Marechal Hermes está cuidando disso."
Thorfill olhou atentamente Apolo e encontrou algo errado.
Apolo carregava um vaso de cerâmica bonito em suas mãos e ao caminhar até Thorfill, os pés dele se encontraram e ele cambaleou algumas vezes. Havia um cheiro doce que perfumou o ar e Thorfill reconheceu o cheiro de vinho rapidamente. Ele retraiu as suas pernas e Apolo sentou-se ao seu lado no peitoril da janela.
"Você bebeu?" Thorfill perguntou surpreso.
"Não é isso o que as pessoas fazem quando estão com problemas?" Apolo frivolamente respondeu enquanto encarava o céu.
Thorfill mastigou os seus lábios e ficou em silêncio.
Houve um silêncio, apenas o canto dos grilos puderam ser escutados por Thorfill e Apolo. O cheiro suave de osmanthus deixava Thorfill calmo, mas havia uma tempestade em seu peito.
"Você sabe por que eu pedi para incinerar o corpo de Ravi?' apolo perguntou depois de um tempo em silêncio.
Thorfill preocupou-se com o jeito de Apolo e aproximou-se dele. Esquecendo a primeira pergunta, ele respondeu a segunda dizendo: "Eu não sei."
"Ele não gostava dos deuses." Apolo mastigou os seus lábios e apertou o vaso de cerâmica contra o seu peito, "Ravi dizia desde quando eu era criança que não tinha fé em absolutamente nada. Ele nunca iria querer um funeral em homenagem aos deuses, ao invés disso, ele queria homenagear a terra que lhe deu alimentação e água."
Thorfill ficou em silêncio ao ver Apolo erguer o vaso de cerâmica para fora. Ele disse: "Um dia eu visitei o Reino da Nortúmbria. Havia padres que diziam uma frase que me marcou bastante: Do pó viemos, ao pó voltaremos. Ravi é apenas pó agora."
Ele apoiou a sua testa no vaso de cerâmica e sussurrou:
"Eu lhe desejo uma boa viagem, pai."
Ao finalizar as suas palavras, ele virou o vaso de cerâmica e as cinzas de Ravi se espalharam com a ajuda da brisa fria. Uma lágrima rolou pelo rosto de Apolo e os seus movimentos foram desleixados. Ele quase caiu para frente e poderia ter rolado o pico abaixo. Porém, Thorfill foi rápido em seus movimentos e agarrou a cintura de Apolo o puxando em sua direção. A cabeça de Apolo ficou aconchegada no peito de Thorfill e ele permaneceu assim por conta do álcool estar afetando a sua mente.
Thorfill estranhou o consentimento de Apolo para abraçá-lo. A verdade era que Apolo estava bêbado e vulnerável. Thorfill se sentiu amargo por conta disso e se afastou, porém, Apolo o puxou novamente e apoiou a sua cabeça no peito dele novamente.
Apolo fechou os seus olhos e perguntou quando a brisa fria atacou o seu rosto: "Thorfill, como você encara a morte?"
"Eu não encaro, eu apenas aceito." Thorfill disse respirando profundamente. Ao fazer isso, percebeu que o cabelo de Apolo realmente tinha cheiro de amêndoas e mel. Ele se distraiu por um tempo, mas logo se recompôs, dizendo: "Eu apenas espero o tempo fechar a ferida em meu peito."
"E se não fechar?" Apolo franziu o cenho com confusão.
Thorfill reparou que até mesmo as orelhas de Apolo estavam vermelhas por conta do álcool e ele sorriu ao responder: "Não há ferida que não se feche, porém a cicatriz sempre estará lá para nos lembrar da dor."
"Você é muito bom em confortar alguém…" Apolo ergueu o seu queixo para poder encarar Thorfill.
Thorfill encarou os olhos de Apolo e engoliu em seco. Ele pôde ver perfeitamente as pintinhas nas bochechas de Apolo e teve um desejo avassalador de tocá-las. Até mesmo a pintinha perto de seus lábios atraia a sua atenção. O olhar de Apolo tremeu, mas ele continuou observando Thorfill, até que ele se ergueu e ficou de frente para Thorfill.
"Você não sabe confortar porque é sincero demais." Apolo disse.
Os dois estavam tão próximos que até mesmo Thorfill pensou que Apolo estivesse tentando beijá-lo. Mas isso era um absurdo tão grande que ele riu.
"Sua risada é bonita." Apolo disse sinceramente.
Thorfill perdeu as estruturas com aquilo e disse nervosamente: "Acho que eu entendo porque você não pode beber. Você também é sincero demais."
Apolo, por conta do álcool, começou com a sua autodepreciação. "Eu não sou sincero. Você sabe."
"Então você é forte e frio." Thorfill tentou distraí-lo.
"Errado." Apolo balançou sua cabeça negativamente, "Parece que estou sempre forçando um jeito forte e frio, mas eu também tenho minhas recaídas. Ao ver o corpo de Ravi, eu senti um desejo avassalador de sair correndo e desistir de tudo."
Thorfill ficou em silêncio, ".............."
"Desistir de ser rei, não é como se eu quisesse ser um também. Na verdade, eu nunca quero nada. É como se eu tivesse um bloqueio emocional. Estou apenas existindo enquanto eu faço as vontades das pessoas."
Thorfill estranhou o falatório de Apolo e tentou argumentar, mas Apolo o interrompeu rapidamente.
"Eu nunca quis a sua ilha também… eu apenas fiz isso por causa da ordem do César Oitavo. Você… você está me compreendendo?! Por que você está me olhando assim?!'
Apolo mastigou os seus lábios com receio ao ver o olhar surpreso de Thorfill. Ele se sentiu ansioso e desesperado, "Eu não sou doido… é apenas uma ideia. Eu realmente não quero fazer absolutamente nada e quase sempre ajo por impulso por conta dos desejos que as pessoas colocam sobre os meus ombros. Não… talvez eu tenha o desejo de realizar os desejos das pessoas e isso no final acaba sendo uma vontade minha?"
"Você está desabafando comigo?!" Thorfill perguntou surpreso e assustado.
Apolo pareceu ficar irritado com a reação dele e Thorfill rapidamente trocou a sua pergunta por: "Então, você não queria ser rei de Atenas, mas se tornou por conta dos desejos de alguém?"
"Cesar Oitavo desapareceu. Quem mais poderia governar?" Apolo encarou Thorfill seriamente, "Eu não faço ideia de onde ele possa estar."
Thorfill imaginou que Apolo era como uma peça de xadrez: manipulado pelo desejo de vencer de alguém.
"Se você não quer ser rei, então não é só fugir como o seu pai fez?" Thorfill perguntou dando de ombros.
Ele se imaginou no lugar de Apolo e teria feito exatamente isso! Inclusive ele fugiu da Ilha de Reiwa. Thorfill quase dançou de felicidade.
Apolo pareceu se irritar com isso, "Que ideia absurda! É mais fácil eu encontrar o César Oitavo e trazê-lo de volta para cá. Ele deve ter se perdido em algum lugar."
"Ele conseguiria fazer essa proeza?" Thorfill franziu os seus lábios.
Apolo suspirou pesadamente, "Não é a primeira vez que ele se perde… da última vez, Demerí teve que se vestir de homem e governar Atenas por alguns meses enquanto eu estava em uma guerra."
Thorfill quase exclamou um 'uau'. Porém, Apolo o interrompeu de fazer isso e disse pensativo: "Ele deve estar procurando por Atlântida…"
"Atlântida, o continente perdido?" Thorfill perguntou surpreso.
"Não." Apolo respondeu ignorantemente e depois bufou, "Sim, o continente perdido. Ele está procurando há anos por ele."
"Como?" Thorfill franziu os lábios ao perguntar.
"Muito tempo atrás, apareceu um homem que se nomeava de 'planta' ou 'plantão', não me recordo bem. Ele disse que havia um continente perdido no Oceano Atlântico. Este continente tem muito ouro e 'bugigangas tecnológicas'. Ao morrer, este homem deixou muitos manuscritos, que, eventualmente, caíram na mão de César Oitavo."
Thorfill se lembrou do dia em que escutou os druidas conversando sobre Atlântida, embora ele quisesse contar isso para Apolo, o bêbado o interrompeu.
"César Oitavo prestou atenção na parte de ter ouro, sem ter ideia do que diabos eram bugigangas tecnológicas. Plantão escreveu também que há um suplemento estranho neste continente, talvez seja igual IRIS. Foram tantas coisas que ele escreveu nos manuscritos... César Oitavo de Atenas ficou louco e talvez tenha fugido para lá."
Thorfill encarou Apolo boiando em pensamentos.
Ele fala muito quando está bêbado.
Thorfill deu um sorriso suave e perguntou: "Se ele voltar, então você pode deixar Atenas?"
"É o meu plano." Apolo disse embarcando em vários assuntos diferentes logo em seguida.
Ele ficou falando o resto da noite. Thorfill lutou para escutar, mas os seus olhos ficaram pesados e ele não sabia o que fazer. Ele queria escutar Apolo, então lutou para ficar acordado.
Apolo havia falado tanto que depois de algumas horas não havia mais assunto. Então, ele disse à Thorfill: "Me pergunte algo."
Thorfill despertou um pouco. Ele se recompôs e encostou-se na janela, perguntando: "Do que você gosta?"
"De cabras, de mel, de usar botas de cano alto." Apolo respondeu com os olhos vagos. "Gosto de organização, de ler livros de aventura, também gosto um pouquinho de touros."
Apolo não era do tipo bêbado dançarino ou fanfarrão, ele era bastante calmo e falante. Thorfill não queria se aproveitar disso e apenas fazia perguntas simples: "Qual é a sua melhor história de cicatriz?"
"Uma que atravessa o meu ombro e vai até a costela."
"Você adquiriu ela em uma batalha?"
"Andando de carroça em um coliseu." Apolo respondeu.
"Se você tivesse que comer uma refeição todos os dias pelo resto da sua vida, qual seria?"
Apolo simplesmente respondeu: "Mel."
Thorfill ficou em silêncio, "................"
Mel?
"Eu gosto de mel." Apolo disse com os olhos brilhando. Seu semblante sereno e tranquilo chamou a atenção de Thorfill; que sempre havia visto aquele rosto bonito cheio de camadas de gelo e rancor. Thorfill havia parado de fazer perguntas e Apolo estranhou isso, perguntando: "Por que você parou de falar?"
"Estou olhando." Thorfill respondeu levianamente e suspirou sorrindo ao perceber que Apolo o encarava com olhos confusos. Logo, por desejo de Apolo, ele perguntou: "Como foi a sua infância?"
"Irei resumir… up!" Apolo disse e soluçou logo em seguida, "É bem entediante, up."
Thorfill começou a rir e até mesmo teve que segurar a sua barriga. Ele lembrou-se de quando bebeu pela primeira vez. Foi exatamente assim: ele tagarelou muito, ficou com alguém que gostava para ser o seu ponto seguro enquanto estivesse bêbado, soluçou por conta do álcool e depois adormeceu profundamente.
Ele parou de rir quando notou que Apolo queria continuar a contar a história.
"Você me perguntou sobre a minha infância porque quis, e agora você não quer escutar?"
Por livre e espontânea pressão!
"Desculpa, eu atrapalhei você." Thorfill riu disfarçadamente, "Continue."
Apolo continuou, "Ravi cuidou de mim junto com as amas-de-leite. Mas aos sete anos de idade, eu fui enviado para o exército Paladinos de Bronze e vivi em meio aos combates e guerras com os paladinos e Ártemis. Minha infância foi assim e a minha vida adulta também. O que mudou recentemente é que eu conheci vikings e me tornei o rei de Atenas."
Thorfill escutou em silêncio, imaginando um pouco a trajetória de Apolo.
Parecia ter sido solitária…
Ele não sabia muito o que dizer e perguntou: "Foi na época do exército que você caiu no buraco?"
"Você ainda se lembra disso?" Apolo perguntou surpreso e depois confirmou, "Foi sim."
"Nenhum paladino o ajudou…" Thorfill mastigou os seus lábios e depois se sentiu curioso sobre algo, "Ouvi dizer que Ártemis é um europeu, como um estrangeiro conseguiu entrar no exército heleno? E por que ele tinha o mesmo título de general que você?"
Era uma pergunta que ele queria ter feito há muito tempo.
Era incomumente estranho…
Apolo recuou um pouco como se aquele assunto fosse um pouco vergonhoso. Por um momento, o bêbado se calou. Thorfill se arrependeu de sua pergunta e tentou contornar a situação, mas Apolo disse: "Ele é o cão de guarda da Rainha Guilhermina."
"O que você quer dizer com isso?"
"Há quatro reinos na Europa, dentre os quatro reis governantes, há uma soberana. A Rainha Guilhermina é conhecida como conquistadora e ela é bastante articulada. Há uma aliança entre os nossos países e eu e Ártemis acabamos nos conhecendo por causa disso."
"Se ele é leal à ela, como acabou no exército Paladinos de Bronze?"
"Eu não sei." Apolo realmente pareceu estar confuso, "Quando eu percebi, ele já estava no nosso acampamento."
"Mas ele simplesmente entrou?" O cenho de Thorfill franziu-se, "Isso não poderia ser visto como um ato que causaria guerras e discórdias entre vocês, helenos, e europeus?"
"Não, pois César Oitavo e a Rainha Guilhermina não têm interesse nos países uns dos outros e eles construíram uma boa relação. Ela é apreciadora de esculturas helenas e às vezes visita o templo da Deusa Atena. Ter o seu fiel soldado aqui não seria estranho. Já o vimos muitas vezes, bem antes dele entrar no exército Paladinos de Bronze."
Thorfill nunca compreendeu a relação de Apolo e Ártemis, mas não parecia ser saudável e Ártemis demonstrava ser alguém um tanto obsessivo por atenção e luta.
E até mesmo muito obsessivo em Apolo…
Thorfill se concentrou nisso e perguntou: "Onde está Ártemis agora?"
"Ártemis não é o nome real dele. Ele se chama Leonhardt Sephalla e eu não sei onde ele está." Apolo respondeu suspirando logo em seguida, "Eu pedi para que ele ficasse na Ilha de Reiwa, pois ainda há alguns vikings lá que juraram lealdade à mim e eles extraem IRIS. Mas Leonhardt Shephalla não dá sinal de vida há muito tempo."
Thorfill ficou em silêncio, pensando em algo.
Apolo imaginou que Thorfill poderia ter ficado incomodado por conta do assunto e sussurrou: "Desculpa…"
"O quê?" Thorfill achou que havia escutado errado.
Era impossível Apolo se desculpar, o orgulho e a ignorância dele não iriam permitir isso.
"Eu disse: me desculpe!" Apolo se exaltou, "Por ter te traído, por ter mentido, roubado a sua ilha e o seu suplemento e por ter te batido!"
Ao terminar de gritar, Apolo suspirou pesadamente e fechou os olhos como se estivesse cansado e com sono. Thorfill ficou um pouco surpreso e se calou, percebendo que Apolo estava um pouco diferente ou que, talvez, estivesse mostrando a sua verdadeira face. Ele pensou por um tempo.
Apolo depois sussurrou novamente: "Você pode revidar depois…"
"Eu não quero." Thorfill disse em um tom de voz confiante.
Apolo virou-se para ele, perguntando: "Por que não?"
Thorfill ficou em silêncio, "............"
O silêncio foi breve, depois ele disse: "Você deveria ir dormir agora."
"Eu não estou com sono." Apolo disse e bocejou logo em seguida.
"Você é muito teimoso." Thorfill disse se levantando.
"Eu não sou." Apolo disse distraidamente.
No momento seguinte, ele se assustou após ter sido erguido e afastado da janela. Apolo estranhou ao ser segurado como uma noiva fora do templo por Thorfill. O pavor lhe tomou por nunca ter sido segurado assim e ele se debateu. Isso só fez o aperto de Thorfill se apertar e ele colocou Apolo na cama e o cobriu com um edredom de lã azul.
Apolo ficou em silêncio, ".................."
"Fica quietinho aí." Thorfill disse tranquilamente, "Eu já volto."
Apolo realmente ficou quietinho como Thorfill pediu e perguntou: "Onde você vai?"
"Eu vou…" Thorfill tentou pensar em uma resposta rápida para não atiçar a curiosidade do Apolo bêbado, "Ver se Tilf está bem."
"Compreendo." Apolo disse frivolamente e bocejou mais um fez. O sono dominou os seus olhos azuis escuros e o seu semblante sereno estava particularmente bonito. Ele deitou-se de lado e se aninhou com o edredom de lã. Ele disse fechando os olhos: "Traga bolinhos de mel para mim quando você voltar…"
Thorfill não tinha ideia de onde encontrar bolinhos de mel, porém concordou. "Tudo bem."
Ele deu uma última olhada para Apolo e virou-se deixando a câmara silenciosa. Thorfill caminhou pelos corredores vazios e realmente foi ver Tilf; ela estava dormindo ainda e Bellamy estava ao seu lado. Já estava quase amanhecendo e Thorfill andou apressadamente pelo palácio em busca do Marechal Hermes. Não foi difícil encontrá-lo… ele estava dentro de uma câmara, acompanhado de um homem chamado Armetris. Thorfill ignorou isso e fez algumas perguntas ao Marechal:
"Há alguma pista do assassino?" Thorfill perguntou.
"Não." O Marechal Hermes balançou a cabeça negativamente, "Nada, mas o palácio está completamente trancado e o assassino com certeza está aqui dentro."
Thorfill pensou que talvez o alvo do assassino pudesse ser Apolo, então, de fato, o assassinato ainda poderia estar dentro do palácio. "Os deputados tinham algum problema com Ravi?"
"Todos os dozes deputados." Armetris respondeu se intrometendo na conversa, "Ravi sempre os enfrentava quando os deputados tentavam manipular o rei Apolo."
"Tem os servos deles também." O Marechal Hermes pensou por um tempo antes de dizer: "Deveríamos conversar com eles?"
"Sim." Thorfill declarou e se preparou mentalmente para conversar com os deputados ignorantes, a fim de tentar descobrir algo. Ele depois retornou para perguntar para o Marechal Hermes: "Mais uma coisa… onde fica a câmara de descanso atual de Apolo?"
O Marechal Hermes e Armetris apontaram juntos para uma direção e depois os dois riram.
Thorfill foi para o quarto de Apolo e entrou vasculhando tudo. Era uma câmara de descanso grande, com uma fragrância doce permeando o ar. O lugar era muito organizado e Thorfill desconfiou que Apolo tivesse toc de organização. Ele caminhou distraidamente até uma penteadeira de madeira e notou que tinha uma escova de cabelo ali. Ele a pegou e percebeu que tinha fios de cabelos loiros presos entre os dentes de marfim da escova de cabelo.
Thorfill ficou em silêncio e colocou a escova em qualquer lugar por não se lembrar onde ela estava antes!
Ele caminhou pelo quarto em passos lentos e tentou se lembrar da cor de cabelo dos deputados, porém a sua memória fotográfica era absurdamente péssima!
Thorfill observou diversos livros enfileirados em uma estante e percebeu a diversidade de temas que Apolo lia. Havia uma lira dourada em um canto, um instrumento musical de cordas. Thorfill se perguntou se Apolo conseguia tocar aquela coisa. Ele estendeu a sua mão para pegá-la, e percebeu que algo estava escupido nela: Aπόλλων.
O cenho de Thorfill franziu-se ao reconhecer aquelas letras…
"Aπόλλων." Thorfill sussurrou passando a ponta do seu dedo indicador sobre as letras gregas esculpidas na lira. Ele sabia ler e falar aquele idioma e tinha conhecimento de que era o nome de Apolo em grego. Ele ignorou isso por um tempo ao perceber que havia um livro ao lado da lira.
O título fez o semblante de Thorfill se contorcer.
Ártemis e Apolo.
O que diabos significava Ártemis e Apolo?
Era uma declaração de casamento?
Mesmo não querendo, ele pegou o livro com repulsa, se perguntando do porquê Apolo ter aquele tipo de livro em sua estante. Ao abrir o primeiro capítulo, Thorfill descobriu que Ártemis e Apolo não eram um casal, mas sim, dois deuses.
Ártemis era a filha de Zeus com Leto.
Ártemis era a deusa da caça, vida selvagem e luz suave. Ela era irmã gêmea do deus Apolo. Os irmãos eram próximos e semelhantes. Ambos usavam arcos e flechas certeiras em suas jornadas. Tinham poderes divinos e compaixão quando era preciso.
Os helenos tinham muitos deuses, imaginando-os como seres humanos mais fortes e maiores que eles, mais bonitos e mais poderosos que moravam no monte Olimpo, no norte da Grécia. Entre os deuses mais forte deles, estavam Zeus, o mais poderoso dos deuses por conta de seus trovões certeiros; Atena, a deusa da guerra; Prometeu, o deus do fogo; e Afrodite, deusa do amor e da beleza. Ártemis e o seu irmão gêmeo, Apolo, eram reverenciados e temidos.
Juntos.
Companheiros inseparáveis.
Amados e contemplados.
Havia até mesmo um hino relacionado aos dois:
"Alegra-te, abençoado Leto, para vos nuas crianças Glorioso, o senhor Apolo e Ártemis que se delicia com flechas; ela em Ortygia, e ele em Rocky Delos."
Leonhardt Sephalla, por algum motivo, havia mudado o seu nome para Ártemis. Sem contar também que ele se intitulava como segundo General Guts.
Ele era o cão de guarda da Rainha Guilhermina, porém, trabalhava para um heleno e tinha o pseudônimo de um deus relacionado com o deus Apolo.
Era incomum e estranho.
Não poderia apenas ser coincidência.
Thorfill estava com pensamentos frenéticos e fechou o livro causando um baque.
Ártemis era loiro.
Parecia ter uma obsessão em Apolo.
Ele poderia ter usado itens pessoais de Apolo, como uma mistura de amêndoas e mel ou um pente?
Ele poderia ter matado Ravi?
Mas por qual motivo?
Os olhos de Thorfill vasculharam tudo lentamente, mas ele não encontrava mais nenhuma pista que pudesse comprovar que Ártemis estivera ali.
Sim, ele desconfiava de Leonhardt Sephalla.
Talvez, ele pudesse ter matado Ravi.
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