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Capítulo 9

Volume 1

    Capítulo 9: Monge Vidente 

Ming Liang. 

O nome de nascimento do barão da casa Ming por si conseguia causar tremor em mil homens no campo de batalha. Em meados da Dinastia Zhan, eram poucos os jovens e velhos que não conheciam a figura do político. Ele, sendo também um estrategista militar de muitos títulos renomados, possuía ciência de que não havia corajosos que quisessem enfrentá-lo sem motivos aparentes. 

A riqueza dele era tamanha, que a maioria dos móveis em sua residência eram feitos com madeira nanmu[1]. Não era arriscado para os senhorios nas proximidades dizerem que até mesmo os bancos cor de cobre próximos dos balaústres do lago tivessem sido esculpidos por Lu Ban[2]. 

Outrora, móveis tão requintados e bem ilustrados seriam motivos de apreço a olhos humanos. Visitantes fariam filas diante da porta do barão da casa Ming para poderem vislumbrar, nem que fosse de relance, a madeira valiosa, que no passado apenas as famílias reais podiam possuir.

Pensando sobre as peripécias que ouvira sendo recitadas pelos lábios do Lorde Ming num passado muito distante, Yin Chang não poderia prever uma reação de horror por parte do tolo; ele balançou a cabeça impotente, e fechou os olhos, evitando a cena que aparecera com o surgimento das chamas tremeluzentes das velas no castiçal. 

O porquê do asco? 

Yin Chang estava longe de conseguir compreender. Sua expressão era imutável de indiferença, como se não fosse nada novo sob o sol vislumbrar o intenso líquido viscoso e vermelho por toda a extensão da mesa de jantar. Há muito não se via sangue gotejar do alto dos quatro beirais até o carpete, trazendo automaticamente à tona memórias que seriam melhor terem sido engolidas pela boca do diabo. 

Um odor de putrefação insistia em continuar próximos das narinas dele, como se para deixar claro de que não seria possível esquecer o cheiro da morte em tão tenra idade. 

A fragrância de osmanthus não era para mártires. 

Com um dos pés em recuo, ele sentira a sola de borracha da bota elevar e ficar plano de tal forma que causasse uma má sensação, similar a esmagar escaravelhos num ritmo piseiro. Ao olhar atentamente, percebera um líquido incolor rente a sola, junto a tecidos transparentes e maleáveis. 

Será que a secreção do globo ocular recém esmagado pela sola da bota teria feito o assassino do barão da casa Ming recuar com a afronta? Pela perspectiva de Yin Chang, a resposta era óbvia demais, já que o fluido transparente que fora esguichado para o alto o fez dar passos incertos, querendo mais que tudo evitar entrar em contato com o olho humano desmantelado no chão. 

Independentemente de que ângulo veja o cenário da sala, enquadrá-lo no topo da lista de “Imundícies avistadas em apenas 18 anos” seria plausível. Muito embora o sangue já estivesse coagulado por toda a extensão da mesa de jantar, o odor de ferro trazia a sensação de ser fresco.

Teria sido impossível conter a hemorragia da vítima se a arma contundente do crime tivesse atingido um órgão vital ou vaso sanguíneo; e seria ainda mais impossível, tendo ambos os olhos arrancados, com as orelhas adjacentes do castiçal de prata. Chamas trêmulas produziam sombras nas veias saltadas e salientes, deixando a vista a carne morta, conduzindo como um farol as moscas até elas. 
 
Cenas nauseantes em filmes de terror sempre despertaram a atenção do homem transmigrado como espectador. Mas, vivenciando situações semelhantes às de um protagonista de Xuanhuan[3] sentiu vontade de escrever uma nota de repúdio a todos os assassinos da fase da terra. 

Por favor, não matem seus semelhantes e opostos. Obrigado, obrigado. 

Guerrilha de Zhou estava começando a trilhar caminhos sinistros e obscuros. Poderia o hodierno momento não ser uma simples situação de mero acaso e, sim, um arco no livro original para que o protagonista pudesse brilhar. 

Questionamento e mais questionamento faziam questão de fazê-lo se arrepender de não ter lido o livro original — Onde diabos estava o harém do protagonista? Quando começaria o plot twist? Quem era o vilão do livro? Primeiramente, havia um? Se recordar da sinopse curta do livro era uma missão fadada ao fracasso. Unicamente o recado do autor ocupava espaço no fundo da mente dele, fazendo-o ter pesadelos com aquele emoji roxo e chifrudo. 

Ele abrira os olhos como se pressentisse a aproximação sorrateira do protagonista em direção a mesa de jantar. Há muito não se questionava o porquê da absoluta mudez por parte deles dois, ou o porquê do regimento dos membros de um deles estarem tendo sensação de formigamento. 

Com altas doses de adrenalina percorrendo todo o corpo, Yin Chang curvou-se sobre a mesa de jantar e ignorou os talheres de prata, e os pratos de porcelana. Olhara em específico a única adaga prateada relevada pelo clarão bruxuleante — tanto em almoços quanto em jantares não se fazia o uso diligente de adagas. Por que mais ela estaria ali, se não para ser declarada como a arma do crime? 

– Vamos. – proclamou ele em um tom de voz frio. 

Fora só quando possuiu a arma branca em mãos, envolta de guardanapos limpos, observara a figura estática do tolo no canto da sala. Como ele não acatou de imediato o pedido, Yin Chang sentiu uma sensação vaga e estranha. 

Como Shen Shining poderia não estar em estado de choque, sem ter a mínima noção do que fazer? Aquela era a primeira vez em duas vidas vendo tanto sangue; e isso mesmo que já tivesse feito estágios em hospitais e clínicas por causa do curso de enfermagem que estava seguindo na vida passada. A mente dele estava em branco total, até sentir seu pulso sendo envolvido por dedos frios.

Ele se permitiu ser conduzido até o lado de fora da residência do barão da casa Ming, enquanto obrigava-se a respirar fundo para que pudesse se acalmar. 

– Devo cumprir minha promessa com o Lorde Ming. – A voz de Yin Chang soou depois de algum tempo. – Este é um assunto do qual precisarei participar sem sua presença.

Ele já não envolvia o pulso de Shen Shining mais. O soltou ao passar pela soleira da porta e apresentou embaraço na hora de afastá-lo. Por sorte, a ação simples não fora lenta o suficiente para ser notada no retorno dos cincos sentidos humanos. O tato sensível de Shen Shining não teve o prazer de sentir a textura áspera e a temperatura quente da palma da mão do protagonista.

– Está tentando me afastar do caso? – Ele se sentiu como uma criança tendo que ser amparada pelo protagonista, mas não desgostou da sensação. – Você descobriu algo na residência do tio do Lorde Ming? 

– A arma do crime. – Yin Chang avançou alguns passos pelo pátio central, e percebera que Shen Shining ainda o seguia. – Irei até o centro do condado investigar… 

– Como a arma poderia ajudar no caso? – O interrompeu. 

Shen Shining não conseguia compreender como a arma do crime poderia ajudar a encontrar o assassino do barão. Teria naquele lugar pacato tecnologia suficiente para detectar as impressões digitais do assassino do barão da casa Ming? Claro que não! Naquele lugar infelizmente não existia nem mesmo automóveis e smartphones!

– Ming Liang era um barão muito conhecido no condado por cultivar amizade com os ferreiros locais e apoiá-los. A filha de um ferreiro em específico, Qing Wen, ganhou destaque nos últimos dias por forjar adagas cravejadas com rubis extraídas do Leste Celeste, e teve suas expedições até a fonte de jóias financiadas pelo barão. – Yin Chang explicou com lentidão. – Irei até o centro do condado procurar pela ferreira Qing e questioná-la sobre a adaga que encontrei na mesa de jantar e sobre os concorrentes no Mercado do Ferro. 

– Irei com você até lá! – Shen Shining se auto-convidou, e os passos para alcançar o protagonista se tornaram urgentes. – Não irei atrapalhá-lo, prometo. 

Se um fio de cabelo caísse a cada pedido que fizesse, a sua cabeça ficaria lisa e brilhante como as estrelas, e colocar uma túnica açafrão seria suficiente para que mil monges o arrastassem até o mosteiro mais próximo! 

Para o filho do rei Sudodana, Sidarta, popularmente conhecido como Buda, Shen Shining seria um desgosto[4]. 

Ao chegar no centro do condado de Ziya, eles dois foram recebidos de braços abertos pela prestigiosa vivacidade dos residentes locais, que fora cultivada dentro de seus corações por longos anos. Muitas carruagens passavam lentamente pelas estradas de terra para que os cocheiros e seus mestres pudessem observar os feirantes fazerem promoções grandiosas, que acabaram desencadeando um pandemônio por acionar o instinto competitivo dos clientes.

Das rústicas tabernas, saiam melodias encantadoras e doces, partidas de liras e flautas. O som ambiente fazia as crianças cantarem pelas ruas festivas, espalhando a teoria de que os mais felizes eram os músicos e os dançarinos. 

Shen Shining distraiu-se sem perceber a perambulação da própria mente. Era como se o hipocampo responsável por suas memórias tivesse esquecido da sensação de horror, ou tivesse se negado a processar corretamente a cena na casa do barão Ming. Ele respirou fundo, e pode puxar os cantos dos lábios em um sorriso curto, como se para mostrar como o estado de espírito estava nada aborrecido. 

– Fiquei me esperando aqui. – Gradualmente, os olhos de Yin Chang se tornaram menos ríspidos. – Eu voltarei logo. 

Próximos às tabernas, havia um estabelecimento decrépito de degraus rachados chamando a atenção dele há tempos. Pela placa era possível identificar o local como a forjaria da família Qing, fazendo história há cinquenta anos. Presumir que a investigação começaria ali seria certeiro, por isso Shen Shining assentiu com a cabeça e sentou-se no primeiro degrau de pedra dividido em dois acentos.

– Você está tentando fugir de mim, não é? – Se sentiu iluminado pelo clima calmo e retornou ao estado normal. 

– Não estou. – Yin Chang fuzilou-o seriamente, chegando a manter um raro contato visual impaciente. – Mas Mestre do Chá precisa encontrar um lugar que goste logo. 

– Assim farei, Yin Chang. – respondeu observando-o sem pressa alguma. – Esperarei por você aqui.

Shen Shining tirou a conclusão de que Yin Chang era um protagonista reservado além da conta. A história dele era desconhecida, e os objetivos e habilidades também. Ousar dizer que o fato de ter lido nada além da sinopse do livro “Guerrilha de Zhou”, estava deixando-o extremamente curioso, não seria nada ousado. Ele abriria mão de muitas coisas para ficar ciente sobre toda a trajetória passada e futura daquele ser que já não era mais fictício. 

Não se podia perguntar nada a Yin Chang, e aguardá-lo sentado na escadaria que dava diretamente para a rua mais movimentada do condado de Ziya, seria a melhor opção. Shen Shining esperou-o e não fez nada além disso, nem quis executar movimentos desnecessários com as mãos na estrada de terra batida no chão, misturado com cascalhos. 

Viver num mundo pacato como aquele… não estava sendo, de certo forma, tão ruim como se esperava. 

De repente, um frenesi que mostrava sinais de ser eterno se iniciara na rua. Afinal, grupos de crianças possuíam energia de sobra e mal se davam conta quando a hora do descanso chegava, deixando os pais de cabelos em pé! 

Ah, era só o que restava, os meninos perdidos! 

O cérebro em alerta de Shen Shining o avisou que estava sendo o atual alvo de vários pares de olhos brilhantes. 

– O que vocês querem com este tio mais velho? – perguntou para as quatro crianças que lhe encaravam.

– Tio, você pode nos dar quatro taéis de ouro? – pediu sem vergonha alguma a crianças mais altas do grupo infantil. 

A túnica dela era feita com linho de qualidade, e o cabelo loiro era bem hidratado e penteado. Ela parecia ter mais riquezas que Shen Shining, então por que estaria pedindo dinheiro a um desconhecido que era claramente pobre?

Bah, ilógico. 

Shen Shining não sabia se ria ou chorava quando vira todas as crianças lhe olharem com esperança e disse: 

– Eu não possuo em meus bolsos nenhum tael de ouro ou prata, nem mesmo tael de bronze. O que vocês querem comprar com tamanha riqueza? 

As crianças baixaram os olhos em tristeza. 

– Encontramos o monge vidente outra vez, mas ele nos pediu quatro taéis de ouro por uma única previsão! – explicou a criança mais alta. 

– Ele pode ser um charlatão. – Shen Shining tentou amenizar a decepção das crianças com essa suposição. 

– Não é! – vociferou alguém. 

Fora a criança mais rechonchuda e baixa do grupo infantil. As pequenas mãos dele em formato de concha contra as orelhas pendiam trêmulas, deixando-o parecer lamentável. Os fios proeminentes do longo cabelo prateado estavam caóticos a olho nu, fazendo a aparência dele ser selvagem. A doçura estava apenas em seu tom de voz alto. 

– O monge careca avisou que o tio Liang morreria e pronto, tio Liang apareceu morto no dia seguinte. – continuou ele, baixando as mãos e fitando o desconhecido homem sentado no degrau. – Eu vou conseguir os quatro taéis de ouro e ir até o monge perguntar quem matou o meu tio. 

Shen Shining fitou a criança peculiar de volta e um lampejo aparecera em sua mente. Aquele menino com certeza pertencia à família Ming; até mesmo o leigo havia notado!

– Vocês sabem onde está o monge vidente agora? – indagou se levantando. 

– Olhe, ele está ali. – A criança de cabelo prateado apontara para uma tenda próxima, e nela estava uma pessoa calva comendo pãezinhos cozidos no vapor. 

– Eu irei lá conversar com ele, enquanto vocês ficam aguardando aqui. Se virem um homem de vestimenta azul sair desta forjaria, avisem onde eu estou. – Shen Shining lançou-lhes um sorriso curto e fora em direção a tenda. 

De forma alguma tinha em posse quatro taéis de ouro para pagar o monge por uma única previsão, tão pouco chegava a idealizar bom planos ou diálogos profissionais antes de tentar alguma palurdice. Que tal tentar a sorte e colocar os planos nas mãos dos deuses? Se fosse possível criar uma boa amizade com o monge vidente, talvez fosse possível obter a resposta de quem matou o tio do Lorde Ming sem que o protagonista precisasse se esforçar tanto no caso. 

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Nanmu: madeira vinda de uma grande espécie de árvore nativa da China, que está ameaçada pela perda de habitat. 

Lu Ban: Refere-se a Gongshu Yizhi, também conhecido como Gongshu Ban. Ele foi engenheiro estrutural, inventor e carpinteiro durante a dinastia Zhou e é reverenciado como a divindade chinesa dos construtores e empreiteiros.

Xuanhuan: Um gênero literário que aborda folclore chinês e intercala entre estrangeiro e o nacional. Significa “Fantasia Misteriosa”. Um clássico conhecido que aborda o tema é: Tian Guan Ci Fu, da autora Mo Xiang Tong Xiu. 

Frase modificada do livro, O que faz você ser budista? De Dzongsar Jamyang Khyentse. 

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