Volume 1
Capítulo 7: Bêbados Papeando Sobre o Amor
– Maldita seja! – Acabou se exaltando um dos homens sentado sob as pernas curtas da mesa festiva à frente, que, erguendo um caneco cheio de cerveja, voltou a disparar sem filtro social algum: – Estou dizendo, Leriogue, a cônjuge de meu irmão terminou com ele. E o maldito ainda ousou tentar voltar com ela.
– Tian Rong está sendo tão ousada assim? – Leriogue ergueu as sobrancelhas, estando indignado. – Impossível. Ela não disse que amava o seu irmão há alguns dias atrás, Jin Bum?
O caneco de madeira na mão de Jin Bum fora aterrissado com força sobre a mesa do salão, fazendo o pouco de cerveja de mel que restava dentro do recipiente espichar para o alto.
– Exato! – Aos berros, Jin Bum prosseguiu com o discurso: – Tenho certeza que ela se apaixonou por outro homem e, por conta dele, pediu divórcio depois de estar casada por vinte anos. Meu irmão acredita em mim, mas, mesmo assim, pediu Tian Rong em casamento novamente e continua a persegui-la.
– Oh, a traição… – Leriogue suspirou lamentavelmente. – O que você pensa sobre isso, minha colega Delfas?
– É necessário ter amor próprio, e ficar longe de pessoas que lhe machucam por causa da libertinagem; digo por experiência própria. – O recente álcool ingerido por Delfas a fez soluçar a cada sílaba proferida, fazendo com que a segunda mulher sentada em meio aos dois homens, tirasse a conclusão de que o teor alcoólico da cerveja era, sem dúvidas, bastante elevado.
– Poético. – murmurou Jin Bum, estupefato.
– Jin Bum, o seu irmão é realmente lamentável ao ponto de humilhar-se por amor? – Questionando o amigo, Leriogue se mostrou ser muito inocente. Naquele rostinho rechonchudo dele, não haviam traços marcantes que deixassem claro a sua idade, mas ele certamente era jovem. – Que pensamento retrógrado, o amor nem mesmo existe mais neste deplorável mundo.
De repente, houve uma gargalhada venenosa escapando dos lábios da segunda mulher sentada entre os dois homens.
– Jan Ruan, por que você está rindo tão ironicamente? – A embriaguez de Delfas parecera sumir em um piscar de olhos.
– Por quê? – retorquiu a tal mencionada com tanta afinidade. – Não é óbvio? O amor não é para leigos de mentes fantasiosas. Por isso vocês humanos são facilmente manipuláveis ao ponto de acreditar que o amor não existe mais.
– O que você quer dizer com isso, Jan Ruan?
– Vamos mudar de assunto. – aconselhou Leriogue.
– Não, continue. – pediu Jin Bum após rir levemente. – Vamos, Jan Ruan, diga.
– Não me oponho com a ideia de que o amor de muitos esfriou e ainda continuará a esfriar. Isso, de certa forma, não é algo assustador? – A segunda mulher parecera contornar a boca com a língua, talvez em busca de umedecer os lábios, pronta para começar a recitar algum longo discurso. – Mas garanto que o amor é real e tentador…
– É real? – Jin Bum veio a interrompê-la. – Então como você me explica as atitudes ousadas de minha cunhada? Ela terminou um casamento de vinte anos, não aceitou o segundo pedido de casamento de meu irmão e ainda mudou-se para longe dele, que ainda a quer incondicionalmente depois de tudo!
– Mas amar alguém não significa que você deva envelhecer com ela. – Calma dominava a voz rouca de Jan Ruan. – Essa fantasia profundamente enraizada na mente leiga de certos humanos é capaz de destruí-los por algo tão simples; ame, ame, e aproveite os momentos, pois, absolutamente nada é para sempre. E, caso fosse, quão assustador isso não seria? Um lapso infinito de memórias, desejos, ações, ciúmes, brigas, união, retorno… parece-me ser algo tão vazio e cansativo.
– Ah, faça-me favor. Tudo balela! – proclamou Jin Bum. – Levando em conta que você veio do Oeste Demoníaco, não tem prioridade nenhuma para discutir sobre o amor. Desde os tempos primórdios, demônios só compreendem sobre matança e morte. E por que diabos Jan Ruan seria diferente?
A mulher demoníaca não recuou perante a afronta. Ao invés disso, passou a encarar profundamente o homem que iniciara a discussão dentro da estalagem, para que pudesse dizer a este:
– O amor existe, e deve ser tratado da forma mais simples possível, e ignorantes que tem sementes de fantasias em suas cabeças não têm aptidão para provar dele. Seu irmão, Jin Gao, foi corroído por dentro, devorado por medos inexistentes, e paranóias como traições. E, então, alguém que ele deveria apenas amar, se tornou aquilo que ele passou a ansiar como sua propriedade. E isso já não é o amor, pois ele jamais será algo pertencente a alguém que quer prendê-lo, brutalizá-lo de forma incoerente e inconveniente por puro desejo de posse.
– Céus, quanta besteira. Por toda minha vida, nunca escutei tanta tolice sendo proferida por doces lábios femininos.
– É por isso que não se deve dar palco para os demônios. – Leriogue fora logo fitar Delfas, aguardando elogios por parte de alguém que admirava. – Eu sei que não devemos subestimar o intelecto dos Elfos, a criatividade dos Alquimistas, a falta de inteligência dos Deuses, e a ignorância de nós humanos. E quanto aos demônios? Pelo jeito, não devemos subestimar a inconveniência deles.
– Exato! – A impolidez de Jin Bum era visível. – O líder do Oeste Demoníaco estaria decepcionado com a discípula dele. Go Xuan deveria lhe deserdar sem pensar duas vezes!
Por causa de uma diversidade opinativa sobre o amor, ou, a afirmação vaga da inexistência dele, as vociferações de Jin Bum passaram a retumbar pela estalagem, chegando a incomodar os clientes; isso no ponto de vista do estalajadeiro chefe. Não era evidente que os clientes estavam regozijados em escutar as ofensas pueris que eram lançadas em direção a Jan Ruan?
– O amor jamais teria machucado Jin Gao se ele não tivesse fantasiado uma falsa memória de envelhecimento, um ciúmes inexistente, uma obsessão catastrófica ao ponto de abalar a liberdade de sua cunhada que sempre foi algo surpreendente: do mundo. Porque somos dele, e somos livres. – Jan Ruan não achincalhou-se diante das ofensas; seu olhar era como o de um felino selvagem. – O que destrói não é o amor, são as sementes da fantasia. Puxe a raiz, extermine-a, pois, a semente virará uma árvore capaz de alcançar o céu.
– Jan Ruan fala tão lindamente sobre o amor. – opinou Delfas, com um ar de frieza nunca visto antes. – Quem imaginaria que, logo você, rejeitaria meus sentimentos de forma tão cruel.
– Oh! – exclamou Leriogue, atônito. – Delfas se declarou?
– Não… – Jan Ruan recuou com o jeito afrontoso. – Eu presumo que Delfas esteja confusa por conta do álcool.
– Oras, você nunca escutou o ditado “O que foi dito bêbado, foi pensado sóbrio” não? – Delfas estava ressentida. – Jan Ruan, você sempre fica instalada no Edifício Wanxiang para ler livros e nunca pegou uma obra de ditados e provérbios populares?
– Delfas, eu realmente…
O ditado popular “Colocar lenha na fogueira” poderia não ter sido tão certeiro se a mulher do Oeste Demoníaco não tivesse tentado argumentar contra Delfas, que a interrompeu:
– Você nada! – Levantou-se trôpega; a indignação era tamanha, incapaz de imobilizá-la, assim como a sua língua descontrolada, que queria expressar a angústia que sentia. – Como pôde tirar conclusões tão precipitadas sobre os meus sentimentos, ainda mais de forma tão descuidada, como naquele dia?
– Como eu poderia acreditar cem por cento em palavras arrastadas, que traziam consigo a fragrância do vinho?!
– Acreditando, oras!
As alegações de Delfas pareciam não terem fim — a língua dos bêbados era, sem dúvidas, argumentativa. E tentar interromper os disparates de qualquer amante do álcool era a pior opção a ser tomada. A melhor contramedida que os lúcidos poderiam tomar contra os bêbados era: sorrir de forma apaziguador, concordar com o dito e aquiescer com a cabeça.
Os telespectadores miraram de perto a eficácia de que agir em silêncio poderia trazer e, presenciando como Jan Ruan havia conseguido abonançar o coração de Delfas de forma tão doce, ficaram ressentidos e retomaram com a bebedeira casual.
– Que povo animado. – comentou Shen Shining depois de assobiar.
– Barulhento. – contraditou o protagonista com a mesma frieza habitual de sempre.
– Os hormônios deles estão à flor da pele. – O outro riu feliz. – São jovens inconsequentes, papeando sobre o amor. Quem nunca agiu desta forma imatura que atire a primeira pedra.
Proclamar palavras calmas e de maneira modesta, não faria segundos ou terceiros presumirem uma reação exagerada por parte do interlocutor — mas a existência de Yin Chang parecia existir apenas para contrariar as expectativas das pessoas. Ele levantou-se céptico. As sobrancelhas profundamente enrugadas faziam questão de expôr as dúvidas que ele possuía sobre uma doutrina milenar e, entre tudo, fantasiosa como o amor.
– Você… – Shen Shining o olhou de cima a baixo, boquiaberto. – Por acaso está indo buscar alguma pedra para arremessar?
– Há muito barulho aqui. – A descrença do protagonista ainda não tinha sido desmantelada. – Pretendo me retirar para fora.
“Ele pretende é me deixar para trás!” Os devaneios de Shen Shining fizera-lhe dizer ao protaginista:
– Se permitir, irei acompanhá-lo.
Estando acostumado à ambientes rumorosos e contagiante por conta da vida moderna que levava em festivais comemorativos, Shen Shining permanecera constante no salão, mastigando o último wonton crocante como se fosse a melhor e prestigiosa iguaria já feita — com a leve pitada de fofoca, o sabor da massa frita melhorou incondicionalmente e o ouvinte não quis deixar de prestar atenção no grupo de Jin Bum. Depois de algum tempo,
fizera menção de querer se locomover para longe do salão, por temer que o protagonista deixasse-o ali, sem companhia.
– Mestre do chá deve permanecer e descansar. – Negando a companhia, o jovem temperamental estava prestes a se retirar do salão às pressas. – Meu retorno não será vagaroso.
Quem poderia impedi-lo, não é?
– Tudo bem, ficarei esperando por você.
De todo modo, Shen Shining resolveu não se preocupar com a possível partida do protagonista ter sido ocasionada por conta da balbúrdia, cuja apresentação central do salão desencadeou, a ele, tantas reflexões.
Afinal de contas, o que diabos era o verdadeiro amor?
[...]
Além das cercas da estalagem, raios que não obtinham vestígios de benevolência em prol dos moradores do condado, cortavam o vasto céu irado.
O único candeeiro de bronze a óleo em cima da mesa do aposento de Yin Chang fazia questão de evidenciar como a vida do povo daquele mundo era antiquada. Os olhos turvos do homem transmigrado ficaram cansados em ver a monótona dança do fogo, a crosta de óleo queimado que se formara na lateral do objeto, o formato dele e sua produtividade. A rusticidade do lugar estava longe de ser considerada o problema central. A verdadeira questão era: como adaptar-se àquele tipo de vida tão rústica, tendo se acostumado com a atualidade do mundo tecnológico?
Primeiramente, seria possível?
Pela pequena fresta da cortina, Shen Shining assistia aquela tempestade que parecia ser infinita, enquanto aguardava ansiosamente o tempo que levava para a queima de dois incensos. Mais de sessenta minutos e o protagonista ainda não havia retornado para o aposento, mesmo que a chuva sinistra do lado de fora não tivesse dando sinais de cessar…
Ele decidiu desistir de esperá-lo. Assim que pousou a cabeça no travesseiro, se sentiu seguro, confiando que Yin Chang não o deixaria para trás em busca de chegar em Chang'an sozinho. E a previsão fora certeira — na calada daquela fria noite, em completa leniência, o protagonista retornou e deitou-se no canto da cama; que estava longe de ser considerado desconfortável.
– Oh. – Shen Shining murmurou com sonolência. – Yin Chang, você realmente retornou. Fico contente com isso.
Não havia sensação melhor do que a que sentia por conta do regresso tão aguardado do protagonista, que permanecera calado por um longo período, como se estivesse passando por um momento difícil, ou estivesse sentindo muitas emoções ao mesmo tempo e precisasse de sossego para se recompor. Ao menos, Shen Shining imaginou algo semelhante, até premeditar que ele, na verdade, fosse o real motivo do incômodo!
– A cama é pequena para dois homens adultos. – resmungou entredentes, de forma alguma querendo prosseguir com suas próximas palavras: – Se quiser, posso dormir no chão.
A modéstia dele conseguiu enganar o protagonista nas últimas duas noites. É claro que a estratégia era causar pena e, assim, permanecer na cama, sem temer olhares frios advertindo-o.
– A cama não é pequena. – respondeu Yin Chang.
– Como não é? Você está no canto da cama, quase caindo! – Shen Shining ergueu-se. – Não me diga que gosta do cantinho?
Não lhe fora respondida a questão.
– Que gosto peculiar você possui. – Tornou a dizer, quase se entregando ao sono. – Mas não tenho prioridade nenhuma para condená-lo, já que gosto de macacos com bigodes brancos. Não concorda que somos parecidos, apesar de tudo?
O protagonista entrou em estado de pura reflexão por conta do questionamento e, inesperadamente, rebateu Shen Shining:
– Não somos parecidos.
Shen Shining não esperava que algo semelhante acontecesse, já que Yin Chang sempre serpenteava conversas e quase sempre tinha que ser instigado para tal coisa. O protagonista, tão insensível com suas palavras, desbaratinou o tolo falante!
– Tem razão, não somos. – Se recompôs e sorriu. – E essa dualidade de princípios que torna a jornada tão entusiasmante. Yin Chang, na verdade, somos o oposto um do outro; você tem economias, eu não. Você quase não come, então eu posso comer por nós dois. Basta fazer os pedidos ao estalajadeiro e entregar-me os pratos. Você sempre está meticulosamente limpo, e eu sempre estou lamentavelmente amundiçado…
– Você fala muito. – acrescentou o protagonista com a voz monocórdica.
– E você fala de menos! – complementou o outro, bocejando logo em seguida. – Somos realmente diferentes. Apenas o nosso amor por macacos com bigodes brancos nos une. Aliás, me perguntou onde Xiao está numa hora dessas?
– Ele partiu.
– É mesmo? Para onde?
– Para a vila Qin.
– Oh, se foi sem se despedir? Quanta crueldade comigo…
– Amanhã iremos partir também. – Yin Chang deixou de olhar fixamente o teto do aposento, e passou a observar a lateral da face do tolo. – O condado de Ziya será nosso próximo destino.
– …
Shen Shining piscou diversas vezes para conseguir manter os olhos turvos abertos. Não obstante, não conseguira resistir aos encantos da sonolência e se deixou ser acalentado por sonhos, sem ter chance de vislumbrar como o olhar do protagonista estava maquiavélico naquela noite tão fria.
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