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Capítulo 4

Volume 1

     Capítulo 4: Adoçando a Vida 

Shen Shining costumava pensar que a vida era uma constante luta sem fim. Seria muito melhor deixar os problemas para trás ao ser teletransportado, fadado a ter novas aventuras em outras histórias e mundos. Mas, não conhecer a identidade do personagem que possuía e não ter informações sobre ele, não seria um grande obstáculo para qualquer ser-humano? 

Ele fora enviado para Guerrilha de Zhou e, sem ainda ter aberto os olhos, apanhou cruelmente do ancião, e tivera que procurar por dois taéis de prata, sem ao menos estar ciente do porquê. Essas ações lhe trouxeram consequências, que resultaram no encontro com o protagonista reservado e antipático da história. 

Além de ganhar a missão de atrasá-lo até Chang'an, o homem transmigrado precisava, mais que tudo, descobrir a verdadeira identidade do Mestre do Chá e, para isso, teria que abdicar do desejo de querer retrair-se dentro de uma concha vazia, seu refúgio. Abrir mão do plano de lutar para desaparecer daquele novo mundo, que já não era mais fictício… 

Infelizmente..

Após despertar de maneira solene e acostumar-se com os raios solares monótonos, que adentravam pelas janelas abertas do templo, ele levantou-se com os olhos bem abertos, observando o salão de oração tenebroso. E embora mal tivesse acabado de acordar, desejou cair morto no colchão novamente. Desta vez, a sonolência não fora capaz de impedi-lo de pensar rápido, e fora possível perceber em poucos segundos que o protagonista não se encontrava alojado no cômodo bagunçado e destruído! 

A cor fugiu-lhe do rosto a olho nu. 

O primeiro pensamento que surgira dentro daquela cabecinha oca, de mente tempestuosa, fora que o lascivo protagonista de Guerrilha de Zhou havia percebido as intenções secundárias dele, assim partido sozinho para Chang'an, no meio da noite de temperatura inclemente. E o segundo pensamento que surgira, fora que o ancião iria matá-lo ou coisa muito pior se descobrisse esse fatídico acontecimento inesperado! 

E isso não era nada ilógico. 

Correndo para o térreo do templo budista após vestir-se adequadamente com o mesmo manto gasto e a túnica verde-clara, Shen Shining chegou ao pátio em estado ofegante. Ele não pôde observar nada ao redor de si quando cessou os passos ligeiros, porque, mesmo que fosse uma manhãzinha clara naquele dia ensolarado, havia uma neblina espessa pairando sobre o sopé solitário da montanha, impossibilitando-o de conseguir ver qualquer coisa que não fosse os galhos altos dos pinheiros e os corvos pousados sobre eles. 

Estando sozinho em um templo assustadoramente silencioso, sem saber o que fazer, ele começou a falar consigo mesmo. 

– Protagonista bastardo! – xingou. – Estou com tanto medo agora, seu maldito enganador! 

Não tinha porque sentir vergonha em admitir que aquele mundo estava acabando com a estabilidade emocional dele, e as preocupações eram excessivamente persistentes. 

– Assusta-se com tão pouco. 

A voz que vagou à distância era monocórdica, tão desprovida de emoções que Shen Shining rapidamente a reconheceu e virou-se para trás; descrença absoluta e indignação foram as reações dele por conta daquela insensibilidade do protagonista. 

– Com tão pouco?! – berrou aos quatro ventos. – Você é cruel! 

– … 

Yin Chang cerrou os lábios e nada lhe respondeu. 

Ele encontrava-se localizado atrás do tolo e não mantinha contato visual com o tal. Que, ao contrário dele, o observava com olhadas altivas, e assim acabara por perceber que o hanfu de alta qualidade do jovem havia sido substituído por uma túnica azul escura, quase preta. Agora, o modelo da bela túnica continha pequenos bordados nas mangas esvoaçantes; figurino muito diferente do hanfu de linho e do manto azul de antes. 

– Tão higiênico, enquanto isso eu posso ser confundido com um gambá. – sussurrando, Shen Shining cobrou-se internamente.

– Ficará neste templo ou continuará a me seguir?

Shen Shining não esperava a pergunta ríspida do protagonista, mas aquiesceu a cabeça como um chocalho de bebê várias vezes, indicando que não permaneceria no templo. Oras, ele ainda precisava orquestrar muitas inconveniências para atrasar o protagonista até Chang'an!

– Partiremos então. – acrescentou Yin Chang. 

Ao pegar o seu inseparável embrulho, que estava sobre a beirada de um poço caindo aos pedaços, o colocou jacente atrás da fita preta de cetim envolta de sua cintura. E não era preciso mencionar que partira sem aguardar o companheiro de viagem dele, descendo os degraus de pedras da escadaria do templo sem olhar para trás. 

Bah, realmente um lobo-guará solitário. 

Shen Shining teve que correr para alcançá-lo enquanto ria do próprio pensamento, caso contrário, Yin Chang, que tinha na face uma expressão inescrutável, poderia realmente deixá-lo para trás, sem demonstrar ou manifestar ter um pingo de solidariedade ou empatia com o próximo. 

Os dois caminharam juntos pelas trilhas da montanha, sem pressa alguma de chegar ao destino. A cada passo dado, observando a paisagem e a natureza — ou isso era algo que apenas o homem transmigrado estivesse fazendo, por ser alguém que se distraía muito facilmente, na maioria do tempo, com as menores coisas possíveis; ainda mais agora que encontrava-se em um novo mundo, de culturas diversas e com propriedades mágicas. 

[...]

Trôpego, Shen Shining andava devastado pelo cansaço e pela fome depois de caminhar o tempo que levava para quatro incensos serem queimados por inteiros. Quando pensara em tempo e espaço, percebera que estava deixando algo passar batido. Por quanto tempo ele teria que atrasar o protagonista careta e sem sal? 

– Yin Chang… – Houve dois pigarreios por parte dele, mas o protagonista ainda não respondia ao chamado. 

Ele realmente estava ignorando-o? 

– Quero morar em algum lugar tranquilo e próspero. – Insistira na conversa. – Você poderia me indicar um? Assim poderia deixá-lo mais cedo. 

O protagonista estivera caminhando na frente dele por todo o trajeto, pulando os mata-burros primeiro e afastando os galhos espinhosos que atrapalhavam a rota; por muitas das vezes, os galhos que eram impulsionados para frente, retornavam para trás e golpeavam a face de Shen Shining. Depois de muito acontecer, aprendeu a se proteger disso sem ficar triste pela falta de empatia de Yin Chang, mas lidar com o sentimento de ser ignorado era algo que o deixava muito frustrado. 

Após escutar a pergunta do tolo, o semblante de Yin Chang franziu-se sutilmente. Talvez não estivesse esperando aquele tipo de pergunta? Ou talvez estivesse pensando na resposta? 

Após longos segundos, a voz dele foi emitida friamente:  

– Vila Qin ou Chang'an. 

O homem transmigrado queria tanto gargalhar por causa de sua inteligência, mas se absteve.

– Oh. – exclamou. – Ótimo, e onde fica Chang'an? Prefiro um lugar mais civilizado do que uma vila. 

– Aqui no Centro Humanoide. 

– Entendo, e quanto tempo leva para chegar a este destino? Está perto?

– Quinze dias a pé, quatro dias de carruagem e dois dias com a habilidade de leveza. – Yin Chang foi sucinto para responder. 

Shen Shining murmurou “droga” inaudivelmente. Quinze dias? Ele realmente teria que ficar com o protagonista por quinze dias?! Seria impossível nocautear alguém tão alto e forte. A única opção seria colocar obstáculos no caminho dele! E o que seria a habilidade de leveza? Embora quisesse muito perguntar, ele não podia. E se fosse algo básico ao ponto de até uma criança de cinco anos saber? Yin Chang poderia acabar desconfiando de Shen Shining. 

– Bom, então temos um longo caminho pela frente… – disse. 

O protagonista apenas murmurou em concordância. 

– Yin Chang. – de repente, Shen Shining sentiu-se curioso. – Por que você simplesmente não parte para Chang'an de carruagem? 

– Muito barulhenta.  

– Bom, então iremos a pé mesmo. – deu a Yin Chang um sorriso forçado. O protagonista apenas franziu os lábios, e o ignorou. – Você já esteve em Chang'an antes? 

– Sim. 

Shen Shining não notara como a voz de Yin Chang soara estranha e profunda, e continuou a conversar com ele casualmente: 

– Acredito que Chang'an possa ter muitos lugares que possam me agradar. – especulou. – A ideia de morar ao lado de uma estufa ou perto de alguma cachoeira me agrada muito. O que acha? 

Ele sabia que tinha extrapolado todos os limites ao engajar uma conversa com quem claramente não queria conversar, e agora observava as costas de Yin Chang por trás. 

– Chang'an tem muitos jardins suspensos e cachoeiras. É um território cheio de riquezas e há prosperidade para todos. – Yin Chang proferiu rusticamente. 

– Chang'an é magnífica. – O outro estava maravilhado. 

– Isso a custa de muitas vidas que se sacrificaram para isso em guerras e disputas infundadas. – Yin Chang continuou friamente. 

– Então não vale a pena viver em um lugar assim…

– Vale, mas terá que colocar uma venda sobre as suas pálpebras antes.

Shen Shining calou-se por completo após isso. 

Depois de muito tempo andando, quase por um dia inteiro, os ouvidos dele captaram melodias baixas, provavelmente vindo de algumas flautas de bambu. O protagonista pareceu ouvir também, pois suas orelhas se mexeram como as de um coelho selvagem. Escondida entre árvores altas, havia uma cachoeira onde jovens damas bonitas e nuas riam e tocavam flautas. 

A mente do homem transmigrado gritou instintivamente: é verdade, o protagonista tem um harém! 

Ele havia esquecido-se disso por completo, e animou-se quando vira as belas mulheres. No entanto, sua empolgação caiu por terra quando percebera em como o protagonista de Guerrilha de Zhou estava concentrado em procurar um atalho entre os eucaliptos da floresta. Ele parecia estar cego e surdo naquele momento, ignorando as moças e não escutando as risadas melodiosas delas. Apenas concentrado em seu caminho, como se estivesse praticando celibato. Ele vira algo mais interessante do que as mulheres nuas através dos eucaliptos e partiu. 

Shen Shining resolveu segui-lo sem pestanejar. 

Em um raio de algumas centenas de quilômetros, havia um pequeno distrito harmonioso comemorando algo. Talvez os deuses estivessem de bom humor, e colocou aquele empecilho no caminho do protagonista. Um empecilho bom, porque estava bastante claro como o dia que Yin Chang não faria nenhuma pausa pelo caminho, também não comeria algo ou beberia. 

– Oh, está acontecendo alguma coisa ali? Talvez seja um festival? – Shen Shining ergueu o pescoço. – Será que há comida sendo distribuída de graça? Estou com tanta fome! Pelos deuses, tomara que tenha. 

– Fome? – O protagonista murmurou quase que inaudivelmente. Contudo, Shen Shining o escutou. 

– Sim. – Sorriu de forma apaziguadora. – Estou com tanta fome que parece que a última vez que almocei ou jantei foi em minha vida passada!

O protagonista cessou seus passos de repente e estendera a mão em direção ao tolo, que abrira a sua por puro reflexo; um pedaço de prata fora pousado no centro da palma dele. 

– Compre algo para comer. – Assim que entregou o tael frio como gelo ao Mestre do Chá, Yin Chang afastou a mão. 

Do começo ao fim, Shen Shining ficou surpreso pela ação inesperada do protagonista e queria agradecê-lo. Bom, isso se ele não tivesse começado a caminhar sozinho em direção ao distrito sem aguardar pelo companheiro de viagem, que o seguiu sem pensar duas vezes, murmurando agradecimentos inaudíveis quando infiltrou-se no meio dos residentes do distrito. 

E aquela era a pior decisão que poderia ter tomado agora. Os residentes estavam lotando as ruas com mercadorias e fazendo companheiros se separarem no meio do pandemônio. 

Por causa da multidão animada, Shen Shining perdeu de vista o protagonista da história. Mas estava com tanta fome que, no momento, acabou nem mesmo se importando com a ideia nefasta do jovem abandoná-lo e partir para Chang'an sozinho.  

No pequeno distrito, residências de três andares com telhados laranjas predominavam nas ruas estreitas. As várias janelas dos pagodes estavam sendo enfeitadas com balões vermelhos e com pinhas pelas mais belas senhoritas do distrito — e isso era evidente para todos. Por perto, os feirantes gritavam ao lado das tendas e outros gritavam empurrando carrinhos de mão, anunciando o preço de hanfus vermelhos que começaram a ser disputado pelas mesmas belas senhoritas. 

A demanda de casamentos naquele lugar estava altíssima!

Muitas mulheres formosas e, até homens elegantes, pareciam sorrir ao passar por Shen Shining e caminharem em direção ao centro do distrito, onde estava acontecendo um combate que dispunha de recompensa para quem ganhasse a luta. E claro que o homem transmigrado os seguiu sem pestanejar! 

Não que tivesse tido interesse naquelas mulheres ou naqueles homens — queria mesmo era assistir o combate e correra até o centro lotado do distrito. As pessoas locais usavam variedades de túnicas de todas as cores possíveis. Passar entre elas lhe daria a sensação de estar caminhando ao lado de um arco-íris em movimento. Mas quando elas vociferaram ao ver a espada de um homem ser quebrada pelo chicote espinhoso de sua rival, rugiram como feras, perdendo a calmaria que as cores agregaram-lhes.

A rival loira de cabelos volumosos venceu a disputa sob vociferações de alegria, fazendo Shen Shining receber uma onda de adrenalina. O estômago dele roncou de fome logo após isso, e ele fora obrigado a caminhar em direção às tendas de comida por causa de sua fome esmagadora. 

Diante da única tenda de doces que tinha no centro do distrito, ele envolveu-se em outro grave problema… 

O sistema de compra naquele mundo era desconhecido!

– Ei, moço. – começou diante do dono da tenda de doces, já lhe mostrando o tael de prata. – Quero dangos caramelados.

– Ora, ora. – murmurou o dono da tenda que, agarrando o tael, estendera dois dangos caramelados para o cliente, dando-lhe sorrisos largos. – Bom aproveito, meu jovem. 

As mãos de Shen Shining foram em direção aos dangos caramelados com velocidade, porém elas não foram suficientemente rápidas para agarrá-los, porque um par de mãos acabaram envolvendo os pulsos dele com força no meio da trajetória, mantendo os seus braços suspensos no ar! 

O tolo ficou confuso ao ver dedos brancos como jade em volta de seus pulsos ainda fragilizados e ergueu os olhos claros para encarar o inesperado protagonista, que não olhava para ele, mas sim para o dono da tenda de doces. 
 
– Um tael de prata é equivalente a quatro elementos comestíveis no Centro Humanoide. – afirmou ele calmamente, embora os olhos cerrados estivessem demonstrando lampejos de impaciência. 

– Sim, sim! Verdade, jovem! – O dono da tenda de doces pareceu engolir em seco e adicionou mais dois dangos caramelados ao cliente quando o jovem feroz virou as costas e começou a caminhar lentamente. 

O tolo, compreendendo o que havia acontecido, agarrou os dangos caramelados e agradeceu o dono da tenda por reflexo, antes de voltar a seguir Yin Chang e dividir os doces com ele.

– Você não pode deixar as pessoas lhe enganarem, por mais pequenas que sejam as ações. – comentou o protagonista com Shen Shining. Agarrando os dois dangos que foram estendidos na frente dele, não demonstrou interesse em comê-los. – A cada engano, vem a sensação de invalidez, e a cada sensação de invalidez, vem a prepotência do enganador, que faz com que ele enganar cada vez mais as pessoas inocentes e tolas. 

– Céus, essa foi a maior frase que eu já escutei você falar! – Regozijou-se Shen Shining, estando entusiasmado. 

Finalizando um dos dangos caramelados, ele mastigou velozmente para que pudesse declarar sua opinião sobre aquele acontecimento surpreendente, mas foi impedido de fazer isso por notar que o protagonista havia interrompido seus próprios passos para ficar observando-o em total mudez, que, por vez, passou a encará-lo silenciosamente também. 

– Com licença jovens, poderiam me ajudar, por favor?

A voz barítona que fora proferida próxima dos dois, pertencia ao decrépito homem que estava sentado na escadaria de uma residência requintada. O lamento dele, embora suspeito, fisgou a atenção do tolo, que virara a face para olhá-lo, deixando o protagonista petrificado ao lado dele. 

– Estou com tanta fome. – O homem fungou e permanecera sentado, deixando claro que não lhe restavam forças para nada. 

Shen Shining encarou seu último dango caramelado, suspirou e estendeu-o em direção ao homem desgrenhado em resignação.  

– Tenho apenas este dango, senhor. 

O homem desgrenhado gargalhou com vontade enquanto se levantava meio trôpego. O braço direito dele estava pendurado em uma tipóia de pano branco, enquanto o outro estava livre. 

– Obrigado, jovem. – A mão esquerda dele estava ocupada agora, segurando o dango com força. – Você é tão gentil. 

Quando ele afastou-se, o andar dele já não era mais trôpego como antes, mas o tolo não notara isso como Yin Chang que, ainda parado, estava observando-o. Em mudez absoluta, ele estava longe de admirar ou apreciar aquela ação do homem. 

– Ele não era cego coisa nenhuma. – contou de maneira insensível. 

Shen Shining sentiu o gosto da enganação. 

– E por que você está me dizendo isso apenas agora?! – vociferou, impaciente além da conta. 

– Bom, ele ao menos estava com fome e parecia não ter nenhum tael para comprar comida… – O protagonista foi pacífico para dizer, em busca de amenizar a situação.

– Mas veja, acabei abrindo mão de um delicioso dango! 

Os lábios do protagonista estavam tentando suprir alguma coisa quando, por definitivo, foram selados. Shen Shining, no entanto, notara que ele gostaria de dizer algo, e murmurou: 

– Hum? O que há de errado agora? 

Os dangos caramelados que ainda estavam na mão direita de Yin Chang foram estendidos para ele. 

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