Volume 1
Prólogo
Era uma noite nevada e silenciosa no vigésimo terceiro aniversário de Shen Shining. Não poderia ser mais perfeito. Como um camundongo de biblioteca que era e, um nerd sem vida social, ele estava enrolado numa coberta quente em frente a tela do notebook, procurando algum livro interessante nas plataformas digitais, para que pudesse desfrutar de uma leitura fenomenal em seu próprio aniversário.
Romance quente não era algo que lhe cativava, pois em seu ponto de vista crítico e venenoso, quase não havia desenvolvimento para os casais literários; eles apaixonavam-se rápido demais, eram criminosamente melosos, mesmo que não houvesse química entre o protagonista masculino e a coadjuvante feminina.
Tão insuportável, irritante e desnecessário!
Outros gêneros dos quais passara longe nos últimos anos foram: Mistério, Terror, Ficção Adolescente, Ação e Literatura Feminina. E quanto a Romance Dark e Ficção Policial? Ah, Shen Shining tinha um desejo avassalador e incontrolável de querer queimar os livros que carregassem essas narrativas!
Bah, ele nunca faria isso…
Atualmente, Transmigração era o gênero que estava fazendo sucesso entre os escritores asiáticos, onde a cada dez livros publicados em Luoyang, nove eram de Transmigração. Ele carregava uma narrativa complexa demais, onde o protagonista do livro fora outrora uma simples pessoa moderna, que acabou, por ironia do destino, morrendo de maneira inconveniente e teve a alma teletransportada de forma inexplicável para dentro do enredo de algum livro lido antes de perecer de forma vergonhosa.
Outro gênero famoso em Luoyang era o Wuxia, e poderia até ser considerado uma temática aceitável para o leitor troll ler, enquanto o Danmei…
Ah, o Danmei.
Era um gênero que estava tomando conta das plataformas digitais de livros virtuais. Os livros que abordassem Danmei nos arcos estavam fadados ao sucesso, já que as mulheres fariam longas filas nas portas das livrarias para comprarem livros que tivessem dois homens se envolvendo em abraços calorosos na capa; caso eles passassem pela censura chinesa e ganhassem físicos. O gênero Danmei havia se tornado famoso no Oriente há muito tempo e, atualmente, no Ocidente também. Então, talvez Shen Shining pudesse ler um livro que apresentasse relacionamento homoafetivo?
Ele gritaria sem pudor algum:
– Se perca, maldito!
Mentira, ele gostava muito dessa temática textual…
– Ning, estou saindo agora. – Veio a dizer o único colega de quarto dele assim que abrira a porta do dormitório. – Não se esqueça do que eu lhe disse, cuidado.
– Hum. – Shen Shining chegou a murmurar, sem ao menos ter escutado.
Ele continuou com o dedo indicador sobre o lado esquerdo do mouse, até encontrar um estranho arquivo na área de trabalho do notebook. O arquivo misterioso foi nomeado de uma forma peculiar; "Guerrilha de Zhou" e dois emojis roxos no final dos ideogramas. Aquilo atraiu a atenção de um Shen Shining dominado pelo cansaço de ser um estudante de enfermagem, que, por sua vez, acabou clicando com bastante entusiasmo em cima do arquivo que nunca antes fora avistado na área de trabalho.
Lamentavelmente, o arquivo contava com as informações de um livro, a capa dele, a sinopse e os links que lhe direcionava automaticamente para os capítulos que continham mais de cinco mil ideogramas.
A bela capa era digna de comentários do tipo: céus, fiquei cego com tanta beleza, ou, céus, Vincent Van Gogh ainda está vivo e trabalhando com capas de livros? Todavia, a sinopse era um pouco decepcionante. Em resumo, era: protagonista com passado triste, over power, harém, disputas, embelezamento da violência sexual, um imperador tirânico, um homem jovem lutando com uma cimitarra, luta, e um final feliz e meloso.
– Que porcaria é essa?!
A indignação de Shen Shining era tamanha que o mouse estava sendo triturado em sua mão. O arquivo nem ao menos tratava-se de um vídeo erótico, mas sim de um livro extremamente ruim!
– Que absurdo, que absurdo! Isso é uma afronta para os escritores que realmente estão dando tudo de si para escreverem!
Havia até mesmo um recado do autor no final da sinopse curta e mal escrita: Venham embarcar comigo no último volume de Guerrilha de Zhou, e ler a intensa batalha de Yin Chang contra o Imperador Zhou! Onde um harém com duzentas belas mulheres trará muito prazer para o protagonista e para os leitores, haha.
Além de tudo, continha um emoji roxo no final do recado, aquele que tem chifres na cabeça e um olhar maroto.
– Me entregue uma caneta e um papel, escreverei algo melhor! A palavra é prata, o silêncio é ouro, seu autor de merda!
Disparando mais algumas palavras grosseiras sobre o livro, o braço de Shen Shining estendeu-se para puxar em sua direção, a caixa de pizza aberta pela metade ao lado da escrivaninha.
– Li Yan, seu idiota. Você esqueceu de comer o seu pedaço. – disse abocanhando o último pedaço de pizza fria que deveria ser do seu colega de quarto.
Li Yan era o nome dele. Qualidades? Nenhuma. Defeitos? Vários. Principalmente a característica absurda de ficar falando sozinho pelos cantos, até mesmo chegando a responder-se com eloquência e educação. Na penumbra da noite, ouvia músicas calmas da plataforma Bilibili, o toque de um guqin preenchendo a escuridão e a solidão que jazia no dormitório. Ele era estranho, mas convivia harmoniosamente bem com Shen Shining, que, por sua vez, também era estranho.
A alimentação dos dois nunca fora boa. As sopas de lótus eram constantemente substituídas por lanches gordurosos e bebidas energéticas. O dormitório da universidade que os dois compartilhavam era uma bagunça total e, raramente, fora arrumado ao longo de dois longos anos; aquele quarto até mesmo estava infestado de ratos!
O jovem finalizou a pizza em mordidas rápidas por temer que Li Yan retornasse triunfante, a fim de buscar algo que havia esquecido no dormitório. Passaram-se alguns minutos, mas ele ainda lançava palavras de baixo-calão sob o pobre livro ruim, pois, foi possível entrar no fórum do livro…
Então Shen Shining, um leitor troll que gostava de insultar livros que lera por simplesmente ter o direito disso, descobriu que o número de visualizações daquele livro achado na sua área de trabalho era exorbitantemente alto! Procurar no Google foi a chave para abrir a porta da insatisfação. Assim foi possível descobrir que aquela obra podre tinha muitos fãs. E o pior estava por vir — fora possível descobrir a rede social de quem havia escrito Guerrilha de Zhou. Shen Shining fez uma conta na Weibo e descobriu que o autor que usava o pseudônimo de "Camundongo Rosa" tinha um milhão de seguidores!
– Porra! – exclamou, sem conseguir evitar.
Sendo um leitor de histórico renomado, é claro que havia indignação em sua alma transcendente. A mente dele armazenava títulos respeitáveis, escritas dignas de palmas e nomes de autores invejáveis. Diante daquela obra de nível baixo, o poder de julgamento pode-se libertar!
“Então é aqui que eu posso fazer um comentário?” pensara com graça, já pressionando as teclas do teclado.
“Como a porcaria do seu livro pode ter tantos fãs? As pessoas estão tão enjoadas da realidade que se esconderam na sombra de algo tão imoral e sem escrúpulos? Estou muito indignado; um protagonista com duzentas mulheres em seu harém. Ele é pior que os lordes da dinastia Ming, aqueles patifes! Camundongo Rosa, você não tem vergonha de ter escrito algo assim? Eu com toda certeza teria. Irmã Rosa, lhe falta talento. Por mim, essa obra não teria nenhuma leitura."
– Esse comentário foi apenas um aquecimento. – Shen Shining, o leitor enegrecido pela indignação sorriu e clicou sobre o lado esquerdo do mouse para que o comentário escrito fosse publicado na última foto postada pelo autor, uma foto da qual nem mesmo mostrava o rosto, mas sim apenas a sua lateral, onde o homem ou a mulher queria mostrar a orelha infestada dos mais belos brincos já banhados em ouro.
Bastante chique, de fato.
– Estou com sede. Mas espere um momento, autor de merda, eu já volto! – disse enfatizando cada sílaba, para deixar claro que não encerraria suas críticas quase criminosas.
Shen Shining levantou-se solene e escutou um estalo baixo logo em seguida; sua coluna velha deixando claro que foi posicionada de forma errada no encosto da cadeira, a qual ficava diante da escrivaninha que rangia algumas vezes por ter sido montado de forma desleixada e nada profissional…
O montador de móveis, vulgo Shen Shining, não deu a mínima para isso e caminhou até o frigobar vermelho escuro, que ficava ao lado da cama de Li Yan. Foi nesse momento que começou a sentir-se tonto e confuso, como se houvesse ingerido algumas substâncias ilícitas.
Ainda sendo ignorante sobre isso, ele abriu o frigobar e agarrou uma garrafinha térmica cheia de água. Beber apenas quatro ou cinco goles do líquido gelado fez com que o estômago dele começasse a doer e, estranhamente, a inchar como se fosse uma bexiga. A dor era suportável e poderia ser apenas uma reação do estômago por estar armazenando muita massa. Mas, mesmo assim, Shen Shining pegou algumas pílulas de remédio e engoliu para que o mal-estar pudesse desaparecer por completo.
De repente, exclamou ofegante:
– Puxa, o que diabos está acontecendo comigo?
Parece que a junção dos três elementos fizeram com que ele começasse a ofegar e a suar frio. Até mesmo lágrimas brotaram nas bordas de seus olhos vermelhos. Aquele jovem homem tinha uma saúde muito, muito delicada; sendo estudante de uma universidade rigorosa, não tinha muito tempo para se cuidar adequadamente, e ainda fazia terapia, o que consumia muito de seu precioso tempo inútil. É claro que alguma provável anemia estaria profundamente enraizada em seus ossos fracos!
Sim, isso estava acontecendo porque ele, com toda certeza era anêmico, mas desde quando anemia fazia o peito ficar inchado?
Apenas respirar se tornara uma missão insuportável para Shen Shining, que empalidecera visivelmente. Os olhos arderam e lágrimas rolaram pelo seu rosto branco como palmito. Era como se dentro do corpo fraco dele estivesse acontecendo um festival primaveril japonês. Então, de repente, as palavras de Li Yan vagaram pela sua mente desconectada com a realidade:
“Ning, o quarto está infestado de ratos. Colocarei veneno em alguns alimentos e os deixarei espalhados. Tome cuidado.”
Quando escutara isso, não fizera questão de tomar cuidado, porque nunca passara por sua cabeça oca como coco que o tal seria tão idiota ao ponto de comer um alimento envenenado. Ele era o maldito rato? Mas que diabos! Veneno para esses seres inescrupulosos não deveria ser tão eficaz em humanos!
Ilógico!
Conforme a visão foi ficando turva, as lágrimas quentes continuaram rolando pelo rosto pálido. O corpo magro de estatura comum foi perdendo o equilíbrio e desabou sobre o chão frio em um baque surdo. Os membros ficaram rígidos e o coração começou a parar de pulsar aos poucos.
– Patético…
Os lábios já estavam roxos quando suas últimas palavras soaram em uma referência irrelevante para o momento.
Estranhamente, quando batidas soaram estridentes no lado de fora da porta, a tela do notebook começou a piscar, ligando e desligando várias vezes consecutivas, assim que os olhos do homem caído imóvel no chão, se fecharam para o mundo e para a vida.
A capa daquele livro decepcionante aparecera de relance.
Seja bem-vindo à Guerrilha de Zhou.
«nível: figurante»
– Senhor, você deseja levar algum item especial para o outro mundo?
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